
Colhendo nos Campos da Graça
Colhendo nos Campos da Graça
Quando Contos de Fada se Tornam Realidade—Parte 5
Rute 2.14–23
Introdução
Um jornal entrevistou uma vez os gerentes das maiores empresas dos Estados Unidos e lhes perguntou quais haviam sido as experiências mais estranhas ao entrevistarem possíveis empregados. Eles responderam com as histórias dos candidatos mais interessantes que vieram aos seus escritórios na busca por emprego.
Um dos candidatos desafiou o gerente a uma partida de queda-de-braço, como se isso tivesse alguma coisa a ver com o trabalho!
Outro candidato passou a entrevista inteira com fones de ouvido; o gerente conseguia até ouvir a música que estava tocando. Quando pedido para retirar os fones, o candidato disse que não tinha problema porque ele conseguia ouvir a entrevista e a música ao mesmo tempo.
Ainda outro candidato, que era careca, de repente pediu licença e daí voltou alguns minutos depois com uma peruca na cabeça.
Uma candidata disse que não havia tido tempo para almoçar e, então, começou a comer um hambúrguer e batata frita no escritório do gerente.
Daí, houve ainda outro candidato que cochilou durante a entrevista.
Finalmente, um último candidato disse que nunca havia concluído o ensino médio porque havia sido sequestrado, levado para o México e mantido vivo em um guarda-roupas.
Obviamente, nenhum desses conseguiu a vaga de emprego.
A graça dos gerentes tem seus limites, e esses candidatos ultrapassaram os limites. Quando o assunto é conseguir o emprego que você pensa merecer, graça não tem nada a ver. O negócio é conseguir aquilo que merece, correto?
Para o crente em geral que lê o livro de Rute, um dos maiores problemas que o impede de apreciar esse drama da graça que se desenvolve em completa beleza é o pensamento de que tudo o que ocorreu a Rute foi porque ela mereceu.
- “Bom, é claro que ela colheria no campo de Boaz;”
- “É claro que ele foi arrebatado pela beleza dela;”
- “É claro que ele teria dó de Rute;”
- “É claro que ele daria a ela as chaves do reino;”
- “É claro que ele a trataria com bondade; ela merece tudo isso!”
A verdade é que Rute não merece nenhum favor de Boaz. Ela é uma intrusa, estrangeira, uma ex-idólatra que se converteu, uma mulher desamparada sem nada a oferecer ao príncipe, exceto gratidão. Essa é a rica verdade da graça de Deus.
Graça é um favor imerecido independente de mérito. Graça é Deus condescendendo conosco, não porque mereçamos, mas porque ele é bondoso. Graça é Deus nos escolhendo, não porque sejamos os melhores candidatos ao emprego, os primeiros de nossa turma ou porque nos destacamos entre os demais. Não, Paulo escreveu:
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. (Efésios 2.4-7)
O que você está prestes a testemunhar nos campos de Belém é nada mais do que as riquezas da graça reveladas para com alguém que não merecia e completamente improvável de receber um favor. Rute estará colhendo nos campos da graça!
Princípios da Graça
Veremos seis princípios, cada um começando com a palavra “graça.” Esses princípios simplesmente descrevem uma faceta da graça que vemos demonstrada em carne e sangue entre Boaz—que é uma ilustração de Cristo—e Rute—que é uma ilustração do crente, a noiva de Cristo.
- A graça sempre toma a iniciativa.
Note em Rute 2.8–9 que é Boaz que primeiro fala com Rute. Com bondade ele diz:
Então, disse Boaz a Rute: Ouve, filha minha, não vás colher em outro campo, nem tampouco passes daqui; porém aqui ficarás com as minhas servas. Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas. Não dei ordem aos servos, que te não toquem? Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram.
Nessa cultura, Boaz é imediatamente visto como alguém agindo em bondade para com Rute—uma estrangeira, uma estranha, uma mulher pertencente às mais baixas posições sociais.
Um tempo atrás, eu e minha esposa viajamos para a Inglaterra e a Escócia e visitamos vários pontos turísticos. Vimos vários palácios da rainha Elizabeth II. Quando a rainha está na sua residência, a bandeira fica hasteada em cima do palácio. Decidimos, então, visitar um palácio em particular. Nós ficamos do lado de fora, na rua, observando aquele portão enorme, robusto que, é claro, estava trancado; tentamos até abri-lo e espiamos pelas brechas do portão enorme.
Agora, imagine se a rainha Elizabeth de repente saísse até o portão, acenasse para nós, caminhasse até nós no portão, apertasse nossa mão e dissesse: “Decidi sair aqui fora e conversar com vocês pessoalmente.” Isso jamais aconteceria sem que todos os protocolos fossem violados. A realeza não conversa com os plebeus. Eles podem até ver um aceno com a mão ou com a cabeça, mas nada mais. Nem uma ligação pelo telefone!
Quem esperaria receber uma ligação do presidente ou da rainha, a não ser que merecesse essa ligação, a não ser que tivesse realizado um feito heroico, a não ser que fosse digno dessa ligação?
Será que menosprezamos a declaração de Hebreus 1.1–2?
Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.
Graça é Deus se comunicando com plebeus desprezíveis que estão muito distantes de heróis, algo ilustrado séculos antes da vinda de Cristo com Boaz falando com Rute. E foi tão impressionante naquela época como seria em nossa cultura hoje se a rainha viesse falar conosco pessoalmente.
E o segundo princípio da graça desenvolve mais esse aspecto.
- A graça nos surpreende com provisão e proteção.
Depois de Boaz repetir para Rute o que ele iria prover a ela, a primeira sentença dela, no verso 10, é de descrença. Ela não consegue acreditar na bondade dele; ela não entende o seu cuidado. Na verdade, não ignore que a primeira palavra que Rute diz a Boaz logo na primeira conversa é: “Por quê?! Por que você está fazendo isso por mim?”
O recipiente da graça fica sempre surpreso porque sabe que não merece nada. Rute não disse: “Eu sabia que chamaria sua atenção… Sabia que você iria me notar rapidinho.” Não, longe disso!
Estou um tanto convencido de que, quando chegarmos ao céu, virmos o esplendor de Cristo em sua preparação por nós, começarmos a compreender nosso papel como noiva eterna de Cristo e nos ajoelharmos diante de nosso Boaz, uma das primeiras palavras que diremos ao nosso Parente-Resgatador será essa mesma palavra: “Por quê? Por que fazer tudo isso por mim?”
Esse é o princípio da graça. O recipiente é deixado quase que sem palavras ao ver a graça raiando na escuridão de sua mente.
Graça maravilhosa, que doce o som
Que salvou um miserável como eu;
Estava perdido, mas agora fui achado,
Estava cego, mas agora vejo.
- A graça está disposta a fazer o papel de servo para os indignos.
Agora, existe um intervalo de tempo entre a primeira conversa de Boaz e Rute no verso 13 e a próxima conversa no verso 14. Evidentemente, Rute sai e passa o resto da manhã colhendo nos campos. Não há dúvida alguma de que ela está maravilhada com esse incrível ato de bondade por parte do proprietário do campo.
Mas chegou a hora do almoço agora e Rute, conforme Boaz já havia instruído, senta-se fora do círculo dos empregados, porém perto o suficiente para conseguir água para beber. Talvez ela estivesse mastigando alguns grãos crus que havia colhido no campo—isso se ela tem alguma coisa para comer.
Boaz tem esperado por esse momento—o momento era perfeito. Note a primeira parte do verso 14:
À hora de comer, Boaz lhe disse: Achega-te para aqui, e come do pão, e molha no vinho o teu bocado…
Isso significa que Rute não tem pão para comer. Boaz está, de fato, convidando-a para almoçar com ele. Nada fora do normal: ele a conhecera de manhã e a convidou para almoçar juntos no mesmo dia. Tudo bem, foi um almoço com várias pessoas, mas já foi um começo!
Não ignore a importância desse momento. Mais uma vez, Rute ficaria muito surpresa. Um catador estava a um passo apenas de se tornar um mendigo, pedinte na esquina. Na verdade, eles eram tão pobres que uma refeição completa era considerada uma bênção inesperada.
O verso 14 nos informa de que Rute foi convidada a pegar um pouco do pão deles e molhar no vinho, o que era um costume da época. Mas, daí, as coisas ficam ainda melhores. Note atenciosamente a última parte do verso 14:
…Ela se assentou ao lado dos segadores, e ele lhe deu grãos tostados de cereais; ela comeu e se fartou, e ainda lhe sobejou.
Boaz serviu grão cozido para ela. De sua própria bandeja, ele se ajoelhou e, de acordo com o costume da cultura, colocou alguns grãos tostados provavelmente no tapete onde Rute estava sentada ou no próprio colo de Rute.
Será que seus olhares se cruzaram? Será que ambos se envergonharam com a implicação lógica dessa bondade espontânea? Com certeza! Os demais catadores e os empregados de Boaz estão observando cada instante, talvez até pensando: “Acho melhor deixarmos esses dois aqui sozinhos…”.
Rute come e o texto sugere que ela se levanta para continuar catando enquanto os demais empregados permanecem sentados. É bem possível que ela tenha ficado envergonhada diante das olhadelas curiosas em sua direção.
Não houve uma pessoa que não tenha percebido o que estava se passando. Boaz, o príncipe, havia tratado uma moça serva como se ela fosse membro de seu círculo íntimo de amigos. O príncipe havia feito o papel de servo e provido para uma mulher empobrecida. Que graça!
- A graça trabalha nos bastidores para prover aos amados.
Assim que Rute se levante e sai, Boaz adiciona ainda mais surpresa aos amigos e trabalhadores pasmos com o acontecido. Note os versos 15 e 16:
Levantando-se ela para rebuscar, Boaz deu ordem aos seus servos, dizendo: Até entre as gavelas deixai-a colher e não a censureis. Tirai também dos molhos algumas espigas, e deixai-as, para que as apanhe, e não a repreendais.
“É óbvio que isso não é algo normal de se fazer, Boaz. Você está basicamente dizendo que quer que joguemos grão ao chão para Rute poder ter o que catar?”
“Exato!”
“Espere aí, Boaz, vai logo e pede para ela se casar com você! Vai ser mais fácil para todos nós. Resolve logo isso!”
Boaz diz: “Ah, não, ainda tem mais dois capítulos nesse livro—vão com calma!”
Você consegue imaginar Rute trabalhando sem saber que provisões especiais e instruções específicas foram dadas a seu respeito? Ela segue trabalhando sem saber de nada. Temos toda a indicação de que ela está totalmente alheia ao que está acontecendo.
Nós também frequentemente estamos alheios à graça e ao trabalho de Deus nos bastidores. De vez em quando, conseguimos captar um sinal ou dica de nosso Noivo, mas, na maioria das vezes, trabalhamos alheios à sua mão nos bastidores enquanto ele se mantém ocupado para o nosso bem.
Deixe-me rapidamente adicionar outro princípio.
- A graça não elimina a responsabilidade da diligência e da disciplina.
Deus efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Filipenses 2.13); Deus realiza todas as coisas para o nosso bem (Romanos 8.28), mas Deus também trabalha conosco, conforme Marcos 16.20 diz:
E eles, tendo partido, pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra por meio de sinais, que se seguiam.
Deus trabalha em nós, por nós e conosco.
Note os versos 17 e 18:
Esteve ela apanhando naquele campo até à tarde; debulhou o que apanhara, e foi quase um efa de cevada. Tomou-o e veio à cidade…
Entenda bem isto: ela não pediu uma carona a Boaz, ela não pediu para os servos debulharem a cevada e ela não pediu a ninguém para carregar o equivalente a dez quilos de grão até a cidade.
Warren Wiersbe comentou sobre essa cena repetindo um provérbio em latim que diz: “A providência não assiste o inerte.” Outro autor disse: “Nem mesmo Deus irá manobrar um carro parado.” Esse é o princípio da colaboração. Rute foi ao trabalho, Boaz trabalhava na situação.
De diversas formas, isso ilustra o trabalho da igreja, a noiva de Cristo. Trabalhamos para avançar o evangelho e fazer discípulos. Jesus Cristo disse: “A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mateus 9.37).
J. Vernon McGee fez uma graça em seu comentário nesse texto ao dizer: “Muitos crentes enchem os pulmões para cantar: ‘Voltaremos com júbilo trazendo nossos feixes,’ e depois saem e não fazem nada.”
Rute necessita da ajuda de Deus, mas, ao mesmo tempo, está disposta a trabalhar para Deus conforme ele a permite. Agora, depois de um longo dia, Rute chega em casa cansada, mas satisfeita.
Talvez você, nesses últimos dias, tenha se identificado com Rute. Talvez esteja trabalhando duro em algum ministério; ou fazendo malabarismo com escalas em dois empregos, encarando desafios na universidade ou empresa onde busca arduamente por excelência a fim de glorificar a Cristo; ou passando por provações severas em sua fé; talvez criando uma ninhada de filhos e ensinando-os a amar Cristo. À noite, você reclina sua cabeça no travesseiro cansado, mas satisfeito. Ou talvez você esteja simplesmente cansado e não muito satisfeito porque ainda existe muito a ser feito! A graça geralmente atua no negócio de providenciar descanso aos cansados.
Você já percebeu que, frequentemente, os crentes com os quais podemos contar para nos ajudar a carregar seu fardo são aqueles que já têm muito fardo próprio a carregar?
Não vamos menosprezar a graça; não vamos recebe-la em inércia, sentados. O apóstolo Paulo nos anima em Romanos 12.11, ao dizer: “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor.” Se o arrebatamento acontecer em qualquer dia desses, que o Senhor nos encontre necessitando de um descanso.
- A graça toma a inciativa;
- A graça nos surpreende com provisão e proteção;
- A graça faz o papel de servo ao indigno;
- A graça geralmente atua nos bastidores para prover aos amados;
- A graça não elimina a responsabilidade de diligência e disciplina.
Deixe-me fornecer mais um princípio da graça colhido nos campos de Boaz.
- A graça atuando na vida de uma pessoa é uma forma de transmitir graça a outros.
Note no verso 17 que Rute tem seu efa de cevada, o que, a propósito, é grão suficiente para suprir as necessidades de pelo menos um mês, pesando cerca de 10 a 30 quilos. Agora veja o verso 18:
Tomou-o e veio à cidade; e viu sua sogra o que havia apanhado; também o que lhe sobejara depois de fartar-se tirou e deu a sua sogra.
Essa é uma referência a alguns dos grãos tostados que tinham sobrado a Rute. Noemi, agora, sem precisar fazer nada, pode também apreciar uma refeição. Continue nos versos 19 e 20:
Então, lhe disse a sogra: Onde colheste hoje? Onde trabalhaste? Bendito seja aquele que te acolheu favoravelmente! E Rute contou a sua sogra onde havia trabalhado e disse: O nome do senhor, em cujo campo trabalhei, é Boaz. Então, Noemi disse a sua nora: Bendito seja ele do SENHOR, que ainda não tem deixado a sua benevolência nem para com os vivos nem para com os mortos. Disse-lhe mais Noemi: Esse homem é nosso parente chegado e um dentre os nossos resgatadores.
Em outras palavras, “Ele é um potencial parente resgatador.” Só de olhar para os 10 quilos de cevada Noemi já está ouvindo música de casamento. Essa é a primeira vez no livro de Rute que Noemi louva a Deus. A graça de Deus na vida de Rute transbordou para a vida de Noemi.
Não entenda isso de forma errada. A alegria de Noemi não está baseada em Rute, nem no testemunho ou experiência de Rute. Da mesma sorte, nossa esperança não está na experiência ou testemunho de outra pessoa.
O ponto chave aqui é perceber que Noemi tem esperança em Boaz—quem Boaz era, o que Boaz havia dito e o que Boaz poderia fazer.
Que grande fórmula é essa para a alegria do crente. Nossa esperança não está em outra pessoa ou coisa. Nossa esperança está em quem Cristo é; nossa esperança está naquilo que Cristo tem realizado e no que Cristo tem prometido fazer por nós, os seus amados.
Então, Rute volta no dia seguinte aos campos de Boaz, os quais haviam se tornado os campos da graça. O verso 23 nos informa que ela:
…passou ela à companhia das servas de Boaz, para colher, até que a sega da cevada e do trigo se acabou; e ficou com a sua sogra.
Isso duraria umas sete semanas.
Será que Rute e Boaz almoçaram juntos outras vezes? Com certeza! Não nos é dito, mas podemos facilmente imaginar isso. Ao final do período da sega, Rute e Boaz estão completamente apaixonados.
Conclusão
Antes de deixarmos essa cena, vou fornecer mais duas verdades sobre a graça.
- Primeiro, a graça não atua em nossas vidas apenas esporadicamente, mas continuamente.
Quer notemos ou não, a graça está trabalhando neste exato momento.
- Segundo, nós não saímos nem entramos na presença da graça—nós vivemos na presença da graça.
Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra.
Meu amigo, estamos cercados pela graça. Ah, que nossos olhos vejam, que nossos corações sintam e que nossas mentes apreciem a graça de Deus trabalhando em nossas vidas.
Vamos pedir para o nosso Redentor nos ajudar a ver e sentir seu amor e provisão para nós, os amados, à medida que prosseguimos para mais um dia com novas pressões, novos desafios e novas exigências. Vamos pedir que ele nos ajude a apreciar e entender que nós também, assim como Rute, estamos colhendo nos campos da graça!
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 14/12/2008
© Copyright 2008 Stephen Davey
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