
Damas e Cavalheiros!
Damas e Cavalheiros!
Graça Extravagante—Parte 2
Filipenses 4.4–5
Introdução
Nós vivemos em um mundo insatisfeito e numa sociedade que é o retrato da insatisfação, enganada por sua própria noção de realidade. Por isso, diante de um mundo egocêntrico e furioso, os crentes se transformam em demonstrações da graça.
Para o crente, essa verdade é declarada de forma clara e sucessiva em Filipenses 4, onde Paulo escreve um imperativo após outro, uma ordem após outra.
Cada uma dessas ordens, a propósito, contém um volume inteiro de estudo e aplicação pessoais, apesar de Paulo apenas escrever cada imperativo sem detalhes.
Abra sua Bíblia em Filipenses 4. Se você esteve conosco em nosso estudo anterior, então você se lembra que havia duas mulheres na igreja de Filipos com problema de relacionamento. Paulo resolve a disputa entre as duas ao pedir que os membros envolvidos na discordância ajam com graça.
Agora, Paulo avança e fala sobre como os crentes demonstram graça para com um mundo que discorda de nós. Paulo toca em dois assuntos: nossa resolução e nossa reputação. Veja o verso 4:
Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos.
- Primeiro: que sua resolução seja ser alegre!
Veja que não existe nenhuma saída nesse imperativo, nenhuma brecha.
Paulo repete sua ordem duas vezes e ainda adiciona um advérbio: Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos.
Se não entendemos na primeira vez, entenderemos bem na segunda!
Agora, se alegria é algo que Paulo ordena, então ela não pode ser um sentimento como a felicidade. Não podemos mandar uma pessoa ser feliz. De fato, a vida é cheia de momentos, acontecimentos, experiências, lágrimas e sentimentos infelizes. Felicidade está ligada àquilo que acontece e nem sempre o que acontece é algo agradável.
Se felicidade está ligada ao que acontece na vida, o que acontece quando as coisas não dão certo na vida? O que acontece quando você não tem dinheiro, beleza, saúde, namorado ou namorada, um carro novo, uma casa, um vestido, etc.? Felicidade é algo circunstancial e não pode ser ordenado.
Alegria, por outro lado, é algo interno; alegria é reagir à natureza do Espírito de Deus dentro de nós. Alegria é uma convicção firme de que Deus está no controle de todas as circunstâncias e eventos da vida; mesmo que surjam provações, podemos seguir o imperativo de Tiago 1 e reagir com alegria porque sabemos que Deus possui um propósito com elas.
E lembre-se bem que, quando Paulo dá essa ordem, ele não está tomando café sentado num estabelecimento do Café Nero; bem diferente disso, ele está acorrentado a um soldado romano. E podemos imaginar sua manifestação de graça por meio de sua resolução de se alegrar em suas cadeias. Você imagina o impacto disso na vida dos soldados que o guardavam?
Nós acontecemos de estar vivendo numa cultura de pessoas infelizes; estamos cercados de seres humanos insatisfeitos e decepcionados. Você, crente, se torna uma demonstração da graça de Deus e do Evangelho quando encara todas as coisas com a resolução firme de se alegrar.
Não seja como muitos crentes cuja alegria é tão profunda que nunca sobe à superfície. No decorrer do Novo Testamento, identificamos várias características da alegria. Deixe-me compartilhar algumas com você:
- Primeiro, a alegria é dada por Deus aos que são salvos.
Em outras palavras, a alegria depende do Evangelho. No primeiro anúncio do nascimento de Cristo, o anjo disse aos pastores:
…eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria… é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor (Lucas 2.10–11).
E a propósito, após os pastores saírem daquela sala de parto, eles voltaram para seus campos louvando a Deus. Nada havia mudado em relação aos seus empregos sujos, sua situação financeira apertada, sua posição impura aos olhos do sistema religioso—nada disso foi alterado. Mesmo assim, eles haviam visto o Salvador e o Evangelho lhes trouxe alegria duradoura.
Quando a mensagem do Evangelho explode no livro de Atos entre os gentios, eles regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor e Os discípulos... transbordavam de alegria e do Espírito Santo (Atos 13.48, 52).
É impossível separar a salvação da alegria.
- Em segundo lugar, a alegria é um fruto contínuo do Espírito Santo.
Paulo escreveu em Gálatas 5.22: Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade... (Gálatas 5.22). Ou seja, enquanto a felicidade é humana, a alegria é sobrenatural.
Essa é a firme convicção que nos motiva a nos alegrar não somente porque Deus está no controle, mas também porque Ele é digno de ser adorado e louvado, independente do que acontecer.
- Terceiro, a alegria é resultado do receber e obedecer à Palavra de Deus.
O profeta Jeremias disse o seguinte:
Achadas as tuas palavras, logo as comi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coração, pois pelo teu nome sou chamado, ó SENHOR, Deus dos Exércitos (Jeremias 15.16).
O apóstolo João escreve sua primeira carta por vários motivos, dentre eles para que a vossa alegria seja completa (1 João 1.4).
- Quarto, a alegria se torna cada vez mais profunda à medida em que o crente passa por provações.
Paulo escreveu em 1 Tessalonicenses 1.6:
Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo,
Que combinação! Tribulação e alegria! Paulo escreveu em 2 Coríntios 6.10: entristecidos, mas sempre alegres. Que equilíbrio e honestidade! Nem tudo na vida era motivo de felicidade para Paulo—até Paulo ficava triste.
Contudo, lágrimas são misturadas com essa convicção firme de que Deus está no controle e, apesar de entristecido, Paulo diz que continua alegre. Colocando isso de outra forma, isso significa que nossas atitudes internas não são condicionadas pelas circunstâncias externas; na verdade, nossas atitudes internas não dependem de nossas circunstâncias externas.
Por isso, Paulo escreve aqui em Filipenses 4.4:
Alegrai-vos sempre—nas circunstâncias? Não—no Senhor...
Devemos nos regozijar nAquele que é a nossa eterna, imutável e infalível Rocha, Refúgio e fonte de alegria.
- Quinto, a alegria é motivada por pensamentos celestiais.
Paulo chegará a esse assunto em sua carta aos Filipenses quando escrever sobre sua expectativa de ver Jesus Cristo face-a-face. Mas deixe-me mencionar a contribuição do apóstolo Pedro: a quem [o Senhor], não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória (1 Pedro 1.8). E ele adiciona no final de sua carta: na revelação de sua glória, vos alegreis exultando (4.13).
A resolução de nos alegrar não é natural, mas sobrenatural. E para a raça humana deprimida, desesperada e decepcionada ao nosso redor, demonstramos algo tão singular que encanta o mundo porque eles veem que o Cristianismo não nos vacinou contra as provações excruciantes, problemas de relacionamentos, contra doenças, falência financeira, morte de pais, avós, filhos e netos. Contudo, o mundo nos vê arregaçando as mangas da fé quando não entendemos nossas circunstâncias, não podemos explica-las, quando não as esperamos e quando não podemos fugir delas. Apesar disso, decidimos nos regozijar com confiança em nosso Senhor.
É como se Paulo dissesse aos filipenses: “Vejam bem, todos estarão os observando; suas reações à vida serão diferentes?”
Você escolherá demonstrar em cores vivas uma convicção firme de que seu Deus é digno de adoração e louvor mesmo quando seu coração estiver em dores?
Que essa seja a nossa resolução. Ela não será natural, mas será uma resolução evidentemente sobrenatural, uma resolução de ser alegre.
- Segundo, Paulo diz: que sua reputação seja a de ser moderado!
Se você pensou que a ordem de ser alegre foi algo revelador e convincente, então se prepare para esta segunda ordem. Veja o verso 5:
Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.
O que Paulo quer dizer com a palavra moderação? Traduzir essa palavra grega profunda em significa tem sido, na verdade, o desafio de muitas traduções e versões no decorrer dos últimos séculos:
- Em 1380, John Wycliffe traduziu essa palavra como “paciência.”
- William Tyndale imprimiu seu Novo Testamento em 1525 e a traduziu como “brandura.”
- A Bíblia de Genebra de 1560, que foi a primeira Bíblia a conter os números de capítulos e versículos, traduziu essa palavra com a expressão “mente paciente.”
- Outra tradução de 1582 escolheu “modéstia.”
- A versão King James de 1611 usou “moderação” e posteriormente adicionou à margem a palavra “bondade.”
- Traduções mais recentes têm escolhido termos como “espírito paciente,” “prudência.”
Aristóteles empregou essa palavra no contexto de não insistir na lei em um determinado caso. Durante os dias de Paulo, os gregos utilizavam a palavra em contextos nos quais as pessoas abriam mão de seus direitos, suportavam afrontas pacientemente e toleravam os erros de outras pessoas.
Um comentarista conta sobre um artigo que leu sobre três funcionários de uma empresa de tratamento de água e esgoto. Essa equipe estava cavando quase 10 metros abaixo do nível da rua para limpar os canais de esgoto. A obra estava sendo feita no distrito histórico de uma cidade.
Além da bagunça que esperavam encontrar, esses homens encontraram 61 anéis, várias moedas antigas e muitos talheres valiosos, os quais puderam ficar para si.
Em seguida, o comentarista faz a seguinte aplicação: “Quer seja canos ou pessoas, se você atura alguma bagunça, em um dado momento, encontrará um tesouro verdadeiro.”
Usando essa analogia ao que creio que Paulo está dizendo aqui no verso 5, entendemos o seguinte: quando estiver no meio de uma bagunça, você se torna um tesouro verdadeiro, a moeda antiga valiosa; você se torna o talher de prata valioso.
Recentemente, um escritor reclamou do espírito de nosso mundo que é tudo, menos moderado, gentil e bondoso. Ele escreve:
No início do século 21, discurso moderado está sendo substituído por gritaria. A metáfora para o discurso hoje é “jogo pesado.” Nossas conversas são em confronto, desdenhosas e causam divisão. Equilíbrio e justiça são vítimas em programas de televisão nos quais duas, três ou até mais pessoas brigam simultaneamente para prevalecer. Volume e discórdia são a nova etiqueta da civilidade.
Essa ordem de Paulo é extremamente difícil de se obedecer. Ele emprega a mesma palavra em Tito 3, onde contrasta a pessoa bondosa com um briguento e que gosta de discutir. Tiago também faz uso do termo ao descrever a pessoa disposta a abrir mão e ceder (Tiago 3.17). Obviamente, 'existe, nessa atitude, um elemento de humildade. Quem deseja ceder ao outro?
Vejo uma ilustração disso todos os dias perto da nossa igreja. A rua principal tem duas faixas e de repente reduz para uma faixa apenas; a faixa que termina entra para o estacionamento da igreja. Algumas pessoas não sabem disso e dirigem a 60 km/h; de repente, a faixa acaba precisam ir para a faixa da esquerda. Eu observo os demais motoristas não deixando a pobre coitada da pessoa entrar na faixa que continua.
Outro dia, eu fiz o meu próprio experimento; foi divertido. Eu vinha na faixa que termina mais adiante e observei para ver se o motorista ao meu lado reduziria a velocidade para me deixar entrar; mas não, ele aumentou a velocidade. Eu já vi homens e mulheres acelerando à toda velocidade; daí, eu virei à direita para entrar no estacionamento da igreja.
A última coisa que o ser humano quer fazer é ceder. Enquanto analisava os variados usos dessa rica palavra grega, uma palavra portuguesa que exprime bem sua ideia me veio à mente; é a palavra “cavalheiro.” Ela não diz respeito apenas a bondade e mansidão, mas a força de caráter.
O que vem à nossa mente quando pensamos num cavalheiro é um bom comentário sobre o tipo de reputação à qual Paulo se refere aqui:
- Um cavalheiro é cortês, bondoso, modesto e flexível;
- Um cavalheiro não é estúpido e grosso; ele não perde a cabeça, mas é cauteloso em suas palavras e atitudes;
- Um cavalheiro não é rude, nem indecente; ele não menospreza uma mulher, nem desrespeita seus colegas.
Paulo, portanto, dá a seguinte ordem: “Busque ter a reputação de ser uma pessoa flexível e graciosa, mesmo quando acontece de estar certa e a outra pessoa errada.”
Um senador orou em certa ocasião: “Senhor, quando estivermos errados, dá-nos disposição para mudar; e quando estivermos certos, ajude-nos a ser pessoas suportáveis no convívio.”
Seja um cavalheiro, seja uma dada. Existe um senso de decência e civilidade ligado a essa ordem. E como precisamos constantemente de demonstrações desse tipo de atitude!
Uma pesquisa recente destacou a perda de civilidade em nosso mundo. O resultado foi:
- 89% dos entrevistados pensam que falta de civilidade é um problema sério.
- Para 73%, a culpa por isso é de campanhas políticas maliciosas.
- Para 67%, o vilão é a música de rock violenta e de elementos visuais fortes.
- Para 52%, conversas em rádio são o problema.
- E apenas 1% pensa que eles mesmos são o problema.
A verdade é que vivemos numa cultura adequada e num tempo adequado para resgatarmos e buscar a reputação de sermos civilizados, graciosos e moderados.
Nossa resolução é ser alegre.
Nossa reputação é ser moderado.
Por que? Porque a nossa expectativa se tornará realidade. Veja a frase que Paulo insere no final do verso: Perto está o Senhor. Em outras palavras:
- Esteja disposto a reagir a afrontas com paciência;
- Esteja disposto a abrir mão de seus direitos quando outros exigirem;
- Seja cordato quando outros forem rudes;
- Seja gracioso quando o mundo o tratar com crueldade.
Tiago fala de forma semelhante quando escreve:
Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima.
Paulo escreve esta carta acorrentado a um soldado romano e ele nos lembra: “Este não é o fim.”
O Senhor virá em breve para acertar todas as ofensas. À luz disso, seja alegre, moderado e não mantenha os olhos fixos nas circunstâncias, mas na vinda do seu Senhor e Redentor.
Perto está o Senhor pode ser entendido em relação a tempo—ou seja, “o tempo está chegando”—falando profeticamente. Mas também podemos interpretar essa frase no sentido espacial, ou seja, a presença pessoal e imediata do Senhor. Em outras palavras, ela expressa proximidade. O Senhor está perto, agora! Conforme escreve um autor:
Em nossos melhores momentos, o Senhor está perto; em nossos piores momentos, o Senhor ainda está conosco; em cada circunstância inconstante da vida—em todas as estações da vida—Ele é um amigo para a vida toda; Ele está presente não somente quando o sol brilha, mas quando a tempestade chega e o furacão sopra. O clima não faz diferença alguma para Ele—Ele está perto.
Um dos princípios mais motivadores que encorajou Hudson Taylor no decorrer de 50 anos de ministério pioneiro na China mais de um século atrás foi o seguinte: Jesus nunca está ausente. Hudson jamais pensava que Jesus estava ausente.
Obedecer a esses dois imperativos só se torna possível quando vivemos à luz da eternidade, quando vivemos demonstrando ao mundo perdido, desesperado e desamparado estas duas qualidades de vida: uma resolução de ser alegre e uma reputação de ser moderado. Fazemos essas coisas porque o mundo precisa do Evangelho e porque Jesus está perto de nós agora e cada vez mais próximo está o tempo de Ele vir nos buscar.
Um autor escreve que estava em certa ocasião falando para uma plateia sobre demonstrar a graça. Ele escreve:
Perguntei ao auditório quais eram suas próprias experiências em agir com graça para com as outras pessoas. Uma mulher surpreendeu todos ali presentes quando se levantou e disse: “Bom, sinto que fui chamada para ministrar para funcionários de telemarketing no telefone—sabe, aquele tipo de gente que liga nas horas mais inconvenientes e fala o que deve até que você tem a chance de dizer: “Não estou interessado. Obrigado.” O autor interrompe e pergunta: quantas vezes não reagimos a essas ligações com grosseria?
A mulher continuou:
Esses pobres funcionários ouvem xingamentos e grosseria o dia inteiro de outras pessoas. Eu os ouço atentamente enquanto tentam fazer suas vendas; daí, respondo bondosamente, apesar de não estar interessada em comprar seu produto. Em seguida, pergunto sobre seu emprego, onde moram e se teriam alguma coisa pelo qual eu possa orar. Esses funcionários ficam em estado de choque do outro lado do telefone. Com bastante frequência, eles pedem que eu ore pelo telefone ali mesmo, naquele exato momento; às vezes, essas pessoas se desmancham em lágrimas. Esses funcionários são pessoas, afinal, provavelmente recebendo um salário baixo e ficam surpresas quando alguém os trata com cordialidade e graça.
O autor, então, continua escrevendo:
Pergunto-me quantas vezes desperdicei essas oportunidades em interação com pessoas. Fiquei maravilhado diante da resposta graciosa dessa mulher enquanto eu fico irritado com essas pessoas. Já me peguei tratando caixas de supermercado como se fossem máquinas e não pessoas. Explícita ou implicitamente, eu comunico que fui interrompido e preciso voltar ao meu trabalho. No processo, acabo desperdiçando oportunidades para manifestar graça.
Não é exatamente isso, por acaso, que Paulo nos manda fazer?
Imagine, a igreja de Filipos poderia ficar conhecida como a assembleia de damas e cavalheiros decididos a alegremente seguir seu Senhor, o qual está perto, e cuja vinda está cada vez mais próxima.
Que essa seja a sua resolução e a sua reputação para a glória de Deus!
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado dia 03/04/2016
© Copyright 2016 Stephen Davey
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