Chorando Por Um Mundo Destruído 

Neemias 1.2–4

Introdução

O livro de Neemias é sobre coisas quebradas, pessoas quebradas. Nos bastidores, ele revelará engano e traição e irá expor uma epidemia de comprometimento moral e apatia espiritual. É muito mais que uma historinha de criança sobre muralhas caídas que são reerguidas; é uma história real sobre pessoas quebradas que são restauradas por um homem comum que possui um coração quebrantado.

Se deseja observar por trás das linhas dessa biografia, você descobre que grande parte da tinta da pena de Neemias está misturada com lágrimas. Sinceramente, fui capturado por esse homem profundamente sobrecarregado.

Quando a maioria dos crentes, incluindo eu mesmo no passado, estuda esse livro, eles têm a tendência de se apressar até a oração de Neemias. Até mesmo esboçam a oração em quatro partes:

• Adoração;
• Confissão;
• Agradecimento;
• Súplica!

Geralmente, ignoramos o fato de esse tipo de oração emanar de um homem que tinha uma carga pesada em seus ombros. Essa foi uma grande oração, mas eram grandes orações que efetivamente ganhavam a atenção de Deus, pois vinha de um coração quebrantado por causa de um mundo quebrado.

Sim, sua oração serve de modelo para nós, mas note a evidência de seu fardo e o seu coração quebrantado. Veja o verso 6, quando ele roga:

Estejam, pois, atentos os teus ouvidos... para acudires à oração do teu servo...

Daí, pule até o verso 11, onde ele implora:

Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu servo...

No decorrer do livro, Neemias implora a atenção de Deus onze vezes. No capítulo final, capítulo 13, Neemias clama três vezes:

...Deus meu, lembra-te de mim...

Na verdade, ele termina o livro com essas mesmas palavras. “Lembra-te de mim, Deus meu, para o meu bem.”

A versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, traduz essa expressão com as mesmas palavras usadas no Evangelho de Lucas pelo ladrão na cruz, que disse a Jesus crucificado ao seu lado:

...Lembra-te de mim... 

Essa é uma outra forma de clamar a Deus, dizendo: “Eu quero estar onde o Senhor está; eu quero ir aonde Tu vais; eu quero andar onde Tua andas; eu penso em Ti e desejo a Ti e imploro que Tu penses em mim.”

Neemias era um homem que queria o máximo da atenção de Deus. Neste livro, antes de Deus nos revelar o que Neemias faz, Ele nos mostra quem Neemias é.

Ele, e todos os outros semelhantes a ele, são ilustrações vivas das pessoas nas quais Deus estava pensando quando disse, por meio de Seu profeta Jeremias, como registrado no capítulo 29, verso 13:

Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração.

Agora, não estamos todos nós sob o olhar soberano de um Deus onisciente? Nada desta terra escapa de Sua atenção. O que Deus quer dizer quando diz que Ele será achado por aqueles que O buscam de todo o coração?

Igualmente, o que Davi quis dizer ao escrever no Salmo 119, verso 2:

Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de todo o coração.

E qual o significado do clamor de Paulo em Filipenses 3, verso 10:

para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte;

Da mesma sorte, o que o autor de Hebreus quis dizer no capítulo 11, verso 6, ao falar que Deus:

...se torna galardoador dos que o buscam.

Quem é o homem, ou a mulher hoje, que possui uma comunhão íntima, próxima e recompensadora com Deus?

Um Olhar Mais Próximo

A resposta está no capítulo 1 da biografia de um homem que, um dia, parou o que ele estava fazendo e começou a chorar por causa da situação de um mundo destruído. Antes sequer de Neemias começar a reconstrução, ele primeiro se sentou para chorar a destruição que simplesmente não poderia ser reconstruída por força humana alguma.

Seu nome - Neemias

O nome hebreu “Neemias” literalmente significa “a consolação de Deus.” E Neemias irá viver o significado de seu nome. Ele trará a consolação de Deus; o alívio de Deus; o conforto, o encorajamento e condolência de Deus.

Sua ocupação – “tinha a vida feita”

Na última parte do verso 11 do capítulo 1, Neemias nos diz que sua ocupação era “copeiro do rei.” Ele era a melhor pessoa no reino todo para conseguir chegar perto o suficiente do rei a ponto de poder envenená-lo. E os inimigos do rei sabiam disso e, sem dúvidas, ofereciam a Neemias altas somas de dinheiro para compactuarem com ele em tentativas de tirar a vida do rei. Tentativas de assassinato desse tipo eram bem comuns.

Talvez você se recorde do evento no livro de Ester em que Mordecai ouviu uma conspiração para tirarem a vida do rei.

Talvez você também se lembre da história de José, quando ele foi lançado no calabouço para definhar por vários anos. Um dia, quando estava lá, o padeiro e o copeiro de Faraó foram lançados na prisão enquanto faziam uma investigação. Com certeza, tal investigação foi para descobrir qual deles era culpado numa tentativa de envenenar Faraó. E, você pode se recordar, o padeiro foi acusado e depois executado, enquanto o copeiro foi restaurado ao seu posto. Como Gênesis 40, verso 21, nos diz:

Ao copeiro-chefe reintegrou no seu cargo, no qual dava o copo na mão de Faraó;

Neemias dava o copo na mão de Artaxerxes.

Um estudante de Sócrates chamado Zenofen escreveu:

Agora, é um fato conhecido que o copeiro, quando oferece o copo, toma um pouco e engole para que, caso tenha envenenado a bebida, não atinja o alvo designado.  

Em outras palavras, “Viva longa ao rei,” mas nada mais de copeiro!

É possível que o copeiro fosse o homem mais confiante do rei em todo seu reino. A propósito, esse rei que Neemias servia era o filho de Assuero, aquele rei que foi salvo pela sabedoria de Mordecai no livro de Ester. Assuero, contudo, veio a ser morto numa outra tentativa de assassinato que teve sucesso.

A responsabilidade do copeiro envolvia muito mais que simplesmente dar ao rei o copo da sua bebida favorita. O livro apócrifo de Tobias fala sobre um homem que era copeiro. Ele era o guardião do anel de sinete do rei e tinha cargos administrativos e de contabilidade.

Neemias era o assistente confiável do homem mais poderoso na terra. Ele morava próximo ao escritório do rei no palácio de Susã. E ali ficava o resort de inverno dos reis. O palácio e seus jardins cobriam cerca de dois mil hectares. Pedras preciosas e ouro faziam parte da arquitetura do palácio. Até murais ou pinturas com tijolo têm sido descobertos pela arqueologia. Essas eram pinturas enormes nas paredes do palácio e incluíam figuras de touros com asas. Não é exatamente o tipo de quadro que minha esposa escolheria para colocar na nossa sala de estar, mas deve ter sido uma pintura incrível. Caso estivesse no palácio do rei em Susã durante o inverno, você estaria cercado de pessoas influentes e poderosas.

Tudo isso para dizer que, “Neemias tinha a vida feita.” Como judeu numa terra estranha, ele havia conquistado uma vida invejável com amigos poderosos e segurança financeira. Ele estava mundos à frente daquela cidade quebrada e despedaçada, a cidade de Jerusalém. De fato, Jerusalém era quatro vezes menos que esse palácio de inverno. A pequena cidade de Jerusalém estava destruída.

Conversa amigável – duas perguntas

Note, agora, o que aconteceu nos versos 1b e 2.

...No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela de Susã, veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá; então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que não foram levados para o exílio e acerca de Jerusalém.

Será que essa é simplesmente uma conversa amigável qualquer? Não! Ele fez duas perguntas:

• E as pessoas?
• E a cidade?

E eles disseram tudo a ele! Veja o verso 3.

Disseram-me: Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas, queimadas.

Isso não é novidade – a Babilônia tinha feito isso anos antes. Por que perguntar? Porque os muros estavam sendo reconstruídos durante o retorno do exílio sob a liderança de Esdras. Mas, em Esdras capítulo 4, o trabalho é interrompido por inimigos dos judeus. Muitos crêem que esses inimigos destruíram exatamente as partes do muro que estavam sendo reedificadas. 

Então, Neemias está, na verdade, perguntando: “Ei, como estão as coisas debaixo da liderança de Esdras? Como estão os muros?”

“Ah, eles foram destruídos, o trabalho interrompido e o povo abandonado.”

Sintomas de um coração quebrantado

Neemias escreve depois em sua diário, no verso 4:

Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus.

O que, na verdade, acontece são várias coisas, as quais podemos chamar de sintomas de um coração quebrantado e incomodado.

Cinco reações

E esse verso nos fornece quatro reações de um homem com coração quebrantado.

• A primeira, contemplação - 

...assentei-me...

Ou seja, ele levou tempo para pensar sobre o relatório que ele tinha acabado de receber. Ele não ouviu o relatório, ele escutou atentamente. Ele escutou todos os detalhes e suas implicações e se angustiou por aqueles que estavam abandonados. Ele parou a rotina de sua vida tempo suficiente para escutar as notícias.

• Segundo, compaixão - 

...[assentei-me], e chorei...

Li, certa vez, um artigo de uma revista do setor de educação. Nesse artigo, professores de pré-escola, administradores e especialistas em desenvolvimento infantil disseram que a coisa mais importante que uma criança precisa aprender é “autoconfiança.” Enquanto um educador dizia que elas precisam aprender “simpatia e preocupação com outros,” sete diziam “autoconfiança.”

As pessoas estão quebrantadas e a culpa é delas. Elas não tiveram a autoconfiança necessária; elas não tiveram fé em si mesmas. Elas simplesmente precisam se endireitar. O que quer que você faça, não desenvolva simpatia, nem preocupação com outros.

Bom, Neemias chorou. Quando foi a última vez que você chorou pelo mundo despedaçado e destruído?

• Terceiro, preocupação - 

...[assentei-me, e chorei], e lamentei por alguns dias...

A palavra “lamentei” é o termo hebraico “abal.” Literalmente significa “lamentar pelos mortos.” É um lamento profundo e triste que não passa rapidamente. Ele continua. Na verdade, sabemos, pelo texto, que Neemias passará quatro meses nessa situação, desde dezembro, que é o “quisleu,” até abril, que é o mês de “Nisã,” o mês que vemos no verso 1 do capítulo 2. Então, Neemias passa quatro meses lamentando profundamente.

J. I. Packer em seu livro Uma Paixão pela Fidelidade, citou E. M. Bounds, que disse:

Como são poucos os homens de nossos dias que podem chorar por causa das maldades e abominações de nossa época! Como são raros aqueles que se interessam e se preocupam com o bem-estar da igreja a ponto de lamentarem! Lamentação e choro pelo declínio da religião, pelo declínio do poder reavivador e pelo assustador mundanismo nas igrejas são praticamente desconhecidos. 

• Quarto, concentração - 

...[assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias]; e estive jejuando...

Neemias não estava tirando tempo de folga do trabalho para orar e chorar; essa palavra significa que ele chegou até a perder o apetite. Ele estava jejuando não simplesmente porque queria dedicar sua atenção e tempo de folga para disciplinar o seu corpo somente para oração; ele, na verdade, jejuou porque tinha perdido seu apetite. Esse era o tipo de peso que esse homem carregava dentro de seu coração pelo seu povo e sua cidade.

• Quinto, comunhão - 

...assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus.

Algumas palavras diferentes são utilizadas para oração. Neste verso, a palavra envolve súplica, emoção profunda, lamento diante do Senhor em desespero, sabendo que você precisa ouvir algo da boca de Deus com urgência.

Comparando a data mencionada no capítulo 1 e aquela mencionada no capítulo 2, aprendemos que Neemias jejuou, chorou, lamentou e orou por quatro meses. Você consegue imaginar chorar, lamentar, jejuar e orar durante quatro horas? Quatro dias? E quatro semanas?

O pregador e líder reformador escocês John Knox costumava chorar e orar nos jardins reais da Rainha da Escócia, que, na verdade, odiava a Reforma Protestante. Mas, referindo-se a John Knox, ela disse que temia suas orações mais do que qualquer outra coisa na terra. Ele orava nos jardins dela em voz alta o suficiente para que ela ouvisse e dizia: “Oh, Senhor, dá-me a Escócia ou eu morrerei!”

Neemias tinha todo o motivo do mundo para nem se preocupar. Ele nasceu em cativeiro, nunca havia estado em Jerusalém, nunca tinha adorado no templo, tinha uma grande carreira profissional na Pérsia e ele era a mão direita do rei, seu confidente e protetor. Por que ele oraria, “Senhor, dá-me Jerusalém, ou eu morrerei”?

Por que ele se aventuraria em sair de seu lugar para ir a uma cidade destruída, a mil e duzentos quilômetros dali, para um povo que ele não conhecia e para um problema que ele não havia criado?

Porque ele estava incomodado para a glória de Deus; para que essa glória brilhasse de Jerusalém; para que o povo de Deus fosse restaurado em sua honra e adoração ao único Deus verdadeiro.

Lições Cruciais

Existem duas lições cruciais que servem de aplicação desse texto a nós hoje.

• Primeiro, se você deseja a máxima atenção de Deus, então precisa dar sua máxima atenção a Ele.

Você quer que Ele esteja disponível para você? Muito bem! Você está disponível para Ele? Você deseja mover o coração de Deus? A questão é: você deseja que Ele mova o seu coração?

• Segundo, se você deseja a máxima atenção de Deus, então precisa estar disposto a receber o máximo do fardo que Deus tem para você.

Eu defino o fardo de Neemias da seguinte forma:

• Uma preocupação esmagadora com alguns aspectos do pecado ou angústias humanas;
• Uma convicção irresistível de que Deus possui a solução adequada;
• Uma submissão sem reservas a Deus para usar você a participar dessa solução.

Em outras palavras, você está convencido de que existe um problema e você se entrega a Deus para fazer parte da solução.

É mais fácil dizer: “Senhor, faça isso... Senhor, abençoe aquilo... Senhor, ajude aquela pessoa... Senhor, opere dessa maneira... Senhor, opera daquela... Senhor, tenha misericórdia dele... Senhor, livre-a.”

E se ouvíssemos uma voz do céu dizendo: “Dos dez pedidos que você acabou de fazer, nove deles dependem de você mesmo.”

É exatamente essa a aplicação das palavras de Paulo aos gálatas, quando ele disse no capítulo 6, verso 2:

Levai as cargas uns dos outros...

Neemias levará o fardo da cidade de Jerusalém destruída, de uma nação inteira quebrada e despedaçada.

Donald K. Campbell escreveu em seu livro Neemias: O Homem na Responsabilidade:

Um Deus incomodado está trabalhando neste mundo. E ele busca crentes incomodados por meio dos quais Ele possa trabalhar. 

Você ainda se surpreende com o fato de nenhum crente desejar a máxima atenção de Deus? Na verdade, ele simplesmente não quer fazer parte da solução; ele não quer ajudar a consertar nada.

Você ainda se surpreende com o fato de preferirmos brincar de igreja uma ou duas horas por semana, ao invés de sair para restaurar e reconstruir vidas despedaçadas? Não sabíamos que Deus desejava começar conosco. Não sabíamos que Deus queria quebrantar nossos corações em face à nossa própria situação e à realidade de nosso mundo. Não sabíamos que isso nos traria desconforto. Não sabíamos que Deus iria, primeiramente, martelar nosso coração endurecido antes de usar o martelo nos muros. Não sabíamos que, ao ganhar a atenção de Deus, iríamos compartilhar de Sua angústia por esse mundo caído.

Paulo clamou em Filipenses 3, verso 10:

...para o conhecer... e a comunhão dos seus sofrimentos...

“Eu não sabia que era isso.”

Você está disposto a ter um coração quebrantado por um mundo quebrado e destruído? Se sim, você está pronto para orar, como veremos que Neemias fez, e, ao orar, você estará também pronto para receber a máxima atenção de Deus.

Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 06/02/2000

© Copyright 2000 Stephen Davey

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