
Esconde-Esconde
Esconde-Esconde
1 Reis 17.1–7
Introdução
Um rápido panorama da história mundial e seus progressos deixará claro que o ser humano continua sendo o mesmo em suas inclinações pecaminosas. Os desenvolvimentos da modernidade têm mudado o conforto do homem, mas não o coração do homem.
E a Bíblia deixa bem claro que, à medida em que a humanidade caminha em direção ao julgamento final, sua depravação, corrupção, pecaminosidade, perversidade e orgulho apenas se agravarão. Conforme lemos em 2 Timóteo 3.13, os homens perversos e impostores irão de mal a pior.
A verdade é que Satanás não é muito criativo em suas ideias, mas é inteligentíssimo. Ele usa as mesmas mentiras da antiguidade e muda sua embalagem para que apelem aos gostos de uma nova geração. Toda geração precisa lidar com os enganos e destruição do diabo.
Uma das revistas que assino trouxe as imagens de algumas cartas antigas que arqueólogos encontraram, datadas dos dias do apóstolo Paulo. Essas cartas revelam coisas que aconteciam na época.
- A primeira carta detalhava as experiências místicas com Esculápio, o deus grego da medicina. É interessante que um homem do século primeiro teve experiências místicas com um deus que não existe. A carta diz:
Pois houve um sentimento, como que o possuindo, de maneira que percebeu claramente que ele mesmo tinha descido; um sentimento de estar dormindo e acordado; querendo olhar, não querendo que ele fosse embora; arrepiei-me de medo; lágrimas de alegria escorriam; o fardo do entendimento me pareceu leve. Que homem é capaz de expressar esses sentimentos com palavras?
- E aqui está uma carta de um homem para sua esposa grávida, perto de dar à luz:
Ainda estamos em Alexandria. Não fique ansiosa. Imploro que cuide de nossos filhos; e garanto que, logo que receber meu pagamento, enviarei um tanto para você. Se você der à luz o bebê, se for menino, deixe-o viver; se menina, jogue-a fora.
Acho incrível que Paulo não incluiu essas atrocidades em suas cartas. Por mais perversos e diabólicos que fossem os dias de Paulo, não encontramos uma fagulha de evidência no Novo Testamento de que a igreja deve parar o que está fazendo e entrar em pânico, ou mesmo mudar a prioridade de sua missão.
Sinceramente, uma grande maioria da igreja hoje parece se preocupar com as trevas, com o ataque mais recente da depravação. Temo que nossa preocupação com o problema tenha se tornado parte do problema. Sim, estamos cercados de ecologistas, ativistas, feministas, egotistas, astrólogos, liberais e muito mais. Apesar de termos que orar, não devemos entrar em pânico, mas penetrar as trevas com a luz.
Você já parou para pensar que um farol não se livra da tempestade no mar? Seu propósito é apenas permanecer ali de pé brilhando em meio à tempestade. Quanto mais escura a tempestade, maior será o brilho de sua luz e mais necessária será.
A luz que nossa geração precisa desesperadamente hoje é a luz que as gerações de Elias e Paulo também precisavam. Davi escreveu no Salmo 119.105: Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos.
Condenar as trevas não é o suficiente; precisamos apresentar a luz. Nosso mundo de hoje precisa de uma vela do reino: ele precisa da Palavra de Deus.
Revisão
Se houve uma época em que Satanás parecia estar no controle da situação, essa época foi a de Elias. Conforme aprendemos em nosso estudo anterior em 1 Reis 16, aquela era uma geração de idólatras, imorais e de sacrifícios de crianças. Ao mesmo tempo, existe um silêncio absoluto da parte dos profetas de Deus.
Enquanto Jezabel pessoalmente pagava os salários de 450 profetas falsos, Obadias, o principal profeta daquela geração, comprometia sua posição e apenas escondia 100 profetas numa caverna. Ou seja, o placar era: Baal 450 x 0 Yahweh. Qualquer um concluiria que o jogo tinha terminado.
Entenda bem a situação da época. A nação recebe suas chuvas normais e desfruta de uma colheita abundante; pássaros cantam e lagos estão cheios; talvez Baal seja, de fato, o “cavalgador das nuvens” e “o sustentador da vida;” talvez devemos mesmo nos prostrar diante de sua concubina, Aserá ou mãe-terra.
Elias em Público
Não. É hora de Deus se pronunciar por meio de um de seus mensageiros. Quando as trevas em Israel estão mais densas do que nunca, 1 Reis 17 nos conta que um homem entra no palácio sem ser convidado, passa ousadamente pelos guardas reais e caminha até a sala do trono, onde as duas serpentes—Acabe e Jezabel—se sentam enroladas e chiam em todo seu esplendor perverso. Elias chegou! E ele não chega com uma vela de revelação, mas com um lança-chamas do ultimato de Deus.
Conforme Tiago nos conta, Elias era um homem comum. Na verdade, ele era iletrado, pouco instruído e insignificante. A diferença era que ele trazia uma palavra do Senhor. E Elias fala com ousadia porque está convencido de que o Senhor vive e anuncia a Acabe em 1 Reis 17.1: Tão certo como vive o SENHOR, Deus de Israel. Não importava o que o placar dizia, ele estava convicto de que Yahweh era vitorioso; Baal estava à frente apenas temporariamente. E a palavra do Senhor é a seguinte: nem orvalho nem chuva haverá nestes anos, segundo a minha palavra.
Imagino que se ouviu suspiros de todos os eruditos e políticos que se encontravam de pé ao lado do trono. Alguém deve ter dito: “Como ele ousa falar isso?” ou, “Como ele sabe? Quem pensa que é?”
Com esse veredito, Elias declara, na verdade: “Baal não controla o orvalho e a chuva; Yahweh é quem os controla. Baal não é o ‘cavalgador das nuvens;’ Yahweh é que cavalga sobre as nuvens.” Que momento, que luz forte brilhou da vida e dos lábios de um homem comum, mas obediente. No mundo público, Elias foi fiel e até mesmo espetacular.
Elias em Particular
Agora, observamos a vida particular de Elias, quando esse profeta recebe uma missão oculta. E essa, meu amigo, é uma missão muito mais difícil. Veja 1 Reis 17.2–3:
Veio-lhe a palavra do SENHOR, dizendo: Retira-te daqui, vai para o lado oriental e esconde-te junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão.
O verbo esconde-te pode ser entendido como “retire-se da vista das pessoas propositadamente.” Deus dá a Elias sua segunda missão: “Elias, esconda-se numa caverna próxima ao ribeiro de Querite.” “Como assim, Senhor, me esconder?! Eu acabei de chegar aqui! Acabei de começar meu ministério público; sou o único profeta verdadeiro e meu primeiro discurso foi muito eficiente—o rei e a rainha não souberam o que falar! O Senhor viu!” Deus diz: “Esconda-se, Elias.”
Eu inventei esse diálogo porque é assim que eu responderia. Entretanto, não lemos nenhuma reclamação ou argumentação por parte de Elias. Pule para o verso 5: Foi, pois, e fez segundo a palavra do SENHOR. Ele simplesmente obedeceu. Meu amigo, a marca da maturidade não é obedecer quando entendemos, mas obedecer mesmo quando não entendemos.
Elias prestou um ótimo serviço ao Senhor na esfera pública; não ignore o fato de que o pronunciamento público de Elias desafiará a fé de todo o Israel. Mas esse tempo em particular e em oculto desafiará a fé de Elias.
Permita-me destacar algumas verdades esquecidas que emergem dessa missão oculta de Elias.
- Primeiro: temos a tendência de esquecer que Deus se interessa tanto em fazer algo em nós, como em fazer algo através de nós.
- Segundo: Deus está tão interessado em desenvolver nossa fé como em revelar seu poder.
Deus poderia muito bem ter cortado a chuva sem Elias, mas ele tem prazer em permitir que pessoas comuns, que estão convictas de que Deus vive, colaborem com ele em sua obra. Assim, no fim, a obra de Deus é feita não somente no mundo, mas na vida do servo disposto também.
Após dar a Elias essa missão, Deus fornece uma garantia nos versos 4–5:
Beberás da torrente; e ordenei aos corvos que ali mesmo te sustentem. Foi, pois, e fez segundo a palavra do SENHOR; retirou-se e habitou junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão.
Gostamos da primeira missão de Elias: ser usado por Deus num palácio. Mas não gostamos muito da segunda missão: “Elias, vá para o deserto; vou retirá-lo dos holofotes e da vista de todos.”
Mas por que Deus fez isso? Deixe-me sugerir algumas razões para isso, algumas verdades duras sobre o isolamento.
- Primeiro: um período de isolamento geralmente precede um novo ministério de envolvimento.
Penso em Moisés, que trocou o palácio do Egito pelo deserto, mas Deus o preparava para uma tarefa maior. José passou vários anos esquecido e abandonado numa prisão egípcia antes de desfrutar da glória de primeiro ministro do Egito. Paulo, após sua conversão, passou três anos em obscuridade na Arábia, onde Deus o preparou para ser o maior missionário da história. Não sabemos quase nada sobre esses três anos de anonimato.
Parece existir um padrão no modo de agir de Deus. Parece que o deserto é o melhor lugar para se conhecer melhor a Deus.
- Segundo: apesar de jamais nos voluntariarmos para obscuridade solitária, é no lugar secreto que a maior obra de Deus é realizada, onde aprendemos mais sobre o caráter de Deus.
- Finalmente: a fé é fortalecida sob pressão privada.
Essas três verdades dizem a mesma coisa: isolamento é preparação.
Agora, Deus jamais dá a seus filhos uma tarefa difícil sem fornecer garantia. Veja o verso 4: e ordenei aos corvos que ali mesmo te sustentem. Então, lemos no verso 6:
Os corvos lhe traziam pela manhã pão e carne, como também pão e carne ao anoitecer; e bebia da torrente.
Agora, precisamos nos perguntar por que Deus usa pássaros.
- Primeiro: para revelar a Elias que Deus tinha o controle da criação.
Agora, teólogos liberais não gostam do elemento sobrenatural nessa passagem, o fato de Elias ser alimentado por corvos. Então, eles sugerem que a palavra hebraica para corvos, oreb, pode ser modificada para que passe a significar “árabe.”
Sinceramente, se Deus é poderoso para criar o universo, ele também é poderoso para controlar o universo. Deus reestrutura o ciclo de água de forma que orvalho e chuva cessam, e também reorganiza a inclinação natural desses pássaros comuns. A verdade é: se você crê no primeiro capítulo de Gênesis, então crê no capítulo 17 de 1 Reis, e poderá crer em todos os demais capítulos da Bíblia. Todas manhãs, todos os dias, Elias recebia seu alimento do bico de pássaros.
Agora, já que Elias era um homem como nós, conforme nos diz Tiago, ele pode ter duvidado do cuidado de Deus entre o café e o jantar; no entardecer, ele pode ter questionado os planos de Deus. Mas, daí, os pássaros chegavam. Todas as vezes que pássaros vinham, Elias era lembrado de que Yahweh era maior do que Baal, o qual, neste momento, é incapaz de germinar sequer um grão de trigo ou produzir uma gota de chuva. Yahweh, por outro lado, é capaz de providenciar um jantar completo com carne e pão.
Observe bem o que os pássaros levam a Elias: carne e pão. Você percebeu que os pássaros não levaram nenhum legume para Elias? Creio que Deus tenta comunicar alguma coisa com isso. Creio que existe outro motivo para Deus usar os pássaros como entregadores.
- Segundo: Deus deixa claro para Elias que qualquer um ou qualquer coisa que ele escolhesse serviria como seu mensageiro.
Você sabia que o corvo é listado como animal impuro em Levítico 11? Deus escolhe usar algo impuro.
Gene Getz sugeriu que, se Elias fosse tentado a pensar que era indigno de ser usado por Deus, os corvos o lembrariam que coisas indignas que obedecem às ordens de Deus servem perfeitamente como mensageiros.
Quando eu e você ficamos junto ao nosso ribeiro de obscuridade e isolamento, quando Deus nos conduz a um lugar secreto conforme sua vontade, nós, assim como Elias, podemos ser tomados de pensamentos sobre nossa indignidade. Foi ali junto ao ribeiro que Elias aprendeu que Deus emprega instrumentos fracos e obscuros para fazer sua obra.
Agora, no verso 7, vemos uma resposta severa:
Mas, passados dias, a torrente secou, porque não chovia sobre a terra.
Havia pouca comida na terra, mas Deus usou os corvos para milagrosamente levar comida a Elias. Por que não fazer com que o ribeiro flua com água continuamente?
Por mais de um ano, Elias permanece junto a esse ribeiro. Imagino que deve ter feito uma cabana e, talvez, até alguns móveis meio primitivos. Afinal, ele está acostumado com a vida do campo. Deus já preparou seu corpo para isso, mas agora deseja preparar sua alma.
Então, Elias vê as árvores e moitas secando aos poucos; a terra fica árida, com um dia quente após outro. O vento bate e levanta poeira da terra seca, enquanto a terra geme por água. O ribeiro de Elias vai secando e o leito vai ficando cada vez mais visível. Por fim, o ribeiro seca e seu leito esturrica sob o sol quente.
O deserto de Elias tinha sido um lugar de isolamento e preparação; agora, se torna um lugar de desolação. É importante lembrar que Elias experimenta os resultados de sua própria oração; e a resposta foi muito severa. O sofrimento se tornaria parte do processo de Deus para preparar Elias para sua obra.
Já ouvi pessoas dizendo: “Como podemos estar no centro da vontade de Deus e ainda ver nosso ribeiro secando?” Quero compartilhar algumas verdades que a desolação ou adversidade nos ensina.
- Primeiro: desolação ou adversidade nos leva a entender o mundo ferido que buscamos alcançar.
O isolamento identificou Elias com o poder de Deus; a desolação ajudou Elias a se identificar com a dor da nação. O período de silêncio e descanso ao lado do ribeiro levou Elias a se identificar com a suficiência de Deus; o período de desolação o ajudou a se identificar com o sofrimento da nação.
Paulo escreveu em 2 Coríntios 1.4:
É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus.
Não existe coisa pior na orquestra da igreja de Deus do que uma pessoa que vai ao irmão em sofrimento e diz: “O que é isso! Anime-se! Que tipo de testemunho você está dando dessa maneira?” Não existe nada pior do que um crente hipócrita, desejando animar um irmão que perdeu o emprego, filho ou cônjuge, dizendo: “Ei, lembre-se: todas as coisas cooperam para o nosso bem.”
Deus está tão interessado em suas tristezas como em seus triunfos! Ele percebe de igual maneira suas lágrimas e seus sorrisos.
Jamais me esquecerei do que li recentemente sobre Oswald Sanders, um grande pregador e escritor do passado. Ele tinha acabado de pregar o que ele pensou ser uma mensagem desafiadora. Enquanto saía da igreja onde havia pregado, ele ouviu duas senhoras idosas conversando.
Uma perguntou à outra: “E aí, o que você achou da mensagem do Sanders?” “Ah, ele é razoável,” respondeu a senhora, “mas ficará melhor depois que sofrer um pouco.”
A. W. Tozer escreveu: “Deus não pode nos usar profundamente antes de sofrermos grandemente.” Sofrimento foi parte indispensável no processo de preparação de Elias para o serviço, e é parte integrante no nosso preparo também.
- Segundo: desolação ou adversidade faz parte do currículo para discípulos em treinamento.
Na verdade, é justamente em episódios confusos e desafiadores que Deus realiza a maior transformação em nossa alma. A adversidade nos leva a um lugar escondido; ali, Deus se encontra conosco e o transforma num lugar onde o buscamos e o encontramos.
Talvez você esteja ouvindo esta mensagem e se identificando com tudo que tenho dito. Você se encontra num ponto em sua vida que parece que Deus o colocou num quarto escuro, fechou a porta e as cortinas; seu ribeiro está secando. Você olha para Elias e diz: “Esse sou eu; estou num deserto e existe desolação.”
Deixe-me ler o que David Roper escreveu sobre o ribeiro de Querite, aplicando à vida do crente:
Querite é sinônimo de ser abandonado, mal entendido, criticado e acusado; é perder posição enquanto outros tomam nosso lugar. Querite é a morte de nossos sonhos, é esperar em isolamento solitário, com esperança adiada, sem promessa de união e sem término à vista. Querite é obscuridade, dever sombrio que ninguém vê ou aplaude, monotonia, tarefas entediantes, algumas chatas, outras desagradáveis; é não ser conhecido, celebrado, notado ou importante. Querite nos livra da necessidade do “louvor vazio do homem” e nos deixa satisfeitos apenas em ouvir Deus dizendo: “Muito bem.” Querite é aprender a ficar sem—sem amor, beleza, dinheiro, casamento ou saúde. É ficar desprovido de amigos, pai, mãe, irmão, dinheiro e fama. É ser removido de todas as paixões, menos a paixão por Deus. Querite é ficar sem sentimentos, é aprender persistência; não apenas resignação, mas dura obediência num caminho que sabemos ser o certo, a despeito de como nos sentimos. Querite causa em nós sede de Deus. Lenta e constantemente, Deus arranca de nós todos os nossos desejos, deixando apenas com o desejo por Deus. Até que digamos com o poeta de Israel: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra.”
Meu querido, sugiro que você se disponha a brincar a versão divina de “esconde-esconde.” E Deus joga sério. Se nós, como Elias, obedecermos à ordem de ir para Querite e deixar todas as respostas nas mãos de Deus, esse lugar se tornará um lugar de santidade; esse lugar desolado será um lugar de adoração, instrução e intimidade com o único que entende. Lembre-se: ele é aquele que passou pelo Getsêmane, onde seu suor ficou como gotas de sangue por causa de sua agonia. Se existe alguém que entende o significado de ribeiros secos, esse alguém é ele. Conforme lemos em Hebreus 5.8:
embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu
O Senhor tem um jeito, com Elias e conosco, de transformar desolação em restauração, solidão em instrução, isolamento em preparação para algo novo que está logo adiante.
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 24/09/1995
© Copyright 1995 Stephen Davey
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