Da Babilônia a Belém

Da Babilônia a Belém

Da Babilônia a Belém

Daniel 6

Introdução

Eu temo que o crente em geral tem a impressão de que:

  • quanto mais tempo de crente se tem, menos ferrenha a batalha se torna;
  • quanto mais perto se vive de Deus, mais fácil a caminhada se torna; e
  • quanto mais honesto é em sua vida para Cristo, maior respeito recebe das outras pessoas.

Vivemos com a impressão de que Deus recompensa fidelidade com uma jornada mais tranquila e pacífica. No entanto, existe um relato nas Escrituras que estraçalha completamente esse mito: a vida de Daniel.

Quando chegamos ao clímax de sua fidelidade a Deus, o profeta já está com pouco mais de 80 anos. Ele passou a maior parte de sua vida no país estrangeiro que 70 anos antes derrotara sua nação e matara seus pais. Sua vida nunca foi de difícil a melhor ou de perigosa a pacífica. Basicamente todas as vezes que o vemos, sua vida corre algum perigo, não porque seja infiel a Deus, mas precisamente porque é fiel a Deus.

O capítulo 6 de Daniel conclui a parte de narrativas do livro—a seção biográfica. Antes de a poeira baixar neste capítulo e de a biografia de Daniel chegar ao fim, o reino inteiro da Pérsia testemunhará um estilo de vida obviamente sábio. Alguém disse que conhecimento é ter a resposta certa, enquanto sabedoria é ter a atitude certa. Conhecimento é ter a capacidade de repetir a verdade; sabedoria é ter a capacidade de viver a verdade.

Cinco palavras que caracterizam a sabedoria emergem das páginas deste último episódio em Daniel 6.

  • A primeira palavra é: personalidade.

Veja Daniel 6.1–2:

Pareceu bem a Dario constituir sobre o reino a cento e vinte sátrapas, que estivessem por todo o reino; e sobre eles, três presidentes, dos quais Daniel era um, aos quais estes sátrapas dessem conta, para que o rei não sofresse dano.

Dario é, mais provavelmente, um dos vice-regentes de Ciro. Seu nome era Ugbaru, escolhido por Ciro para reinar em seu lugar. O nome Dario era, na verdade, um título honorífico, como César, no contexto do Império Romano, e Faraó, no Egito. De fato, o termo dara, do qual deriva “Dario,” vinha da palavra persa para “rei.” Esse Dario em particular reinará no lugar de Ciro na antiga capital da Babilônia por cerca de 14 anos.

Note o verso 3:

Então, o mesmo Daniel se distinguiu destes presidentes e sátrapas, porque nele havia um espírito excelente; e o rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino.

Marque a sentença porque nele havia um espírito excelente. Ela pode ser traduzida como “havia nele uma atitude excelente.” De forma simples, Daniel tinha boa atitude. Não é complicado de entender. Por meio de sua personalidade, ele demonstrava sabedoria. O que destacou Daniel dentre os demais oficiais não foi o fato de ele ser um gênio na administração ou um líder cheio de carisma, de forma que era um pessoa simpática e fácil de conversar. Ele não foi promovido porque sabia lidar com indivíduos importantes, com os ricos e com as massas.

Veja bem: a coisa mais atraente em sua vida como crente não é o que dirige, quanto dinheiro tem, seu título no escritório, seu salário, etc. O que mais atrairá pessoas ao Cristianismo é o crente que é feliz por ser crente; o crente motivado e encorajado pela alegria do seu Senhor, que é o que lhe dá força.

Um tempo atrás, entramos em contato com um homem para pregar em nossa conferência. Ele era um pregador conhecido por todo o país. Seu agente nos informou que não tinha como deixar de cobrar o cachê de 75 mil. Além disso, teríamos que alugar um avião particular e tinha que ser de um tamanho específico.

Daniel era o terceiro no reino, mas era um homem tão realista que todos ficavam impressionados com sua atitude extraordinária e personalidade cativante.

E não ignore o óbvio: aos 85 anos, Daniel poderia ser um dos homens menos simpáticos do reino. A essa altura da vida, ele poderia ter um espírito ferido e amargurado; lá está ele no reino servindo mais um rei; e está ali só porque foi sequestrado de sua terra quando ainda adolescente por Nabucodonosor, que destruiu Jerusalém.

A tradição judaica e a igreja primitiva criam que Daniel fora feito eunuco quando ainda jovem. O capítulo 1 sugere isso e sabemos que ele permaneceu solteiro pelo resto da vida. Ele teve que aturar uma blasfêmia após outra dos reis a quem serviu; seus companheiros políticos eram homens idólatras, conspiradores e pagãos. Ele testemunhou impérios emergindo e sucumbindo.

Agora, após anos de serviço leal, ele é abandonado e esquecido; é convocado só uma vez para decifrar a escritura na parede, que foi uma mensagem de Deus de que o reino da Babilônia seria conquistado pelos medos e persas.

Mas antes de ele ir embora dali, Daniel é feito primeiro-ministro. O império conquistador imediatamente o recruta como um dos três líderes e ele se torna o supervisor de vários líderes políticos, os quais em breve encontrarão um jeito de lança-lo na cova dos leões para que continuem recebendo suas propinas.

Se existe alguém no reino que poderia ser um velho carrancudo, esse alguém é Daniel. Se existe alguém desagradável para se conversar, esse alguém é o solteirão de 85 anos que viveu praticamente a vida toda num país estranho que ignorou seu Deus e usou seu povo.

Se eu fosse Deus e estivesse a comando da biografia de Daniel, pensaria: “Sabe de uma coisa? Chegou a hora de Daniel sair dessa pressão política. É hora de ele passar seus anos finais plantando um pomar ou sentado numa varanda de cara para o Eufrates. Melhor ainda, é hora de Daniel, meu servo fiel, subir para cá. Ele já passou por muita coisa. Já vai receber o galardão que merece.” Mas é Deus quem escreve esta biografia! E na sua mente, acredite você ou não, é hora de testar o coração e a vida de Daniel ao limite extremo. Chegou a hora de sua sabedoria brilhar por meio de sua personalidade como nunca antes.

  • A segunda palavra é: integridade.

Quando se espalhou a notícia de que o rei promoveria Daniel acima dos demais oficiais, veja o verso 4:

Então, os presidentes e os sátrapas procuravam ocasião para acusar a Daniel a respeito do reino; mas não puderam achá-la, nem culpa alguma; porque ele era fiel, e não se achava nele nenhum erro nem culpa.

Conforme o verbo procurar indica aqui, esses oficiais buscavam com bastante tenacidade encontrar base para acusar Daniel. É como no caso de um candidato à presidência—seu oponente revira todo seu passado na esperança de encontrar sujeira. “Sem dúvida alguma, esse solteirão judeu escondia sujeira em algum lugar... afinal, já faz muitos anos que tem morado na Babilônia. Quando está na Babilônia, viva como babilônio!” Então, começam a seguir Daniel e se infiltram em seu computador, olham suas correspondências, seguem as pistas deixadas por seus cartões de crédito—tem que ter alguma coisa em algum lugar.

Perceba que eles começam fuçando a vida pública de Daniel, de cima a baixo. O texto diz que eles procuravam ocasião para acusar a Daniel a respeito do reino. Ou seja, eles voltaram à época quando ele foi instituído funcionário do governo aos 19 anos. Eles investigaram seus cartões e gastos desde os dias de Nabucodonosor até os de Belsazar. Perceba que eles não investigam sua leitura bíblica anual do Antigo Testamento; eles não estão interessados na sua religião e nem querem saber de sua vida de oração—pelo menos ainda não.

Os conspiradores terminam a busca, reúnem-se na sala dos fundos do palácio para prestar relatório e ficam coçando a cabeça, maravilhados e dizendo: “Esse cara está limpo!” Lemos no final do verso 4 que não se achava nele nenhum erro nem culpa.

Ele era um homem de integridade não somente em público, mas em particular também. Tipo, uma coisa é parecer honesto em público; outra coisa é ser honesto em particular. D. L. Moody afirmou, certa vez, que caráter é aquilo que o homem é no escuro.

Não seria maravilhoso ser como Daniel? Se alguém começasse a nos seguir, quanto tempo demoraria até que encontrasse erro e culpa? Se você deseja viver hoje como Daniel, confesse o que precisa confessar; acerte com Deus o que precisa; faça a resolução diária de não se contaminar com a Babilônia e comece a praticá-la hoje.

Será que Daniel sabia dessa investigação secreta? Provavelmente. Então, o que os conspiradores fazem? Veja o verso 5:

Disseram, pois, estes homens: Nunca acharemos ocasião alguma para acusar a este Daniel, se não a procurarmos contra ele na lei do seu Deus.

Em outras palavras, vamos encontrar um jeito de usar o relacionamento com seu Deus contra ele. E os homens encontram um jeito de fazer isso. Perceba o plano desonesto nos versos 6–7:

Então, estes presidentes e sátrapas foram juntos ao rei e lhe disseram: Ó rei Dario, vive eternamente! Todos os presidentes do reino, os prefeitos e sátrapas, conselheiros e governadores concordaram em que o rei estabeleça um decreto e faça firme o interdito que todo homem que, por espaço de trinta dias, fizer petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões.

O plano é o seguinte: “Rei, faremos de ti o deus do mês. Ninguém poderá orar a outro deus por 30 dias. Se ousarem violar isso, serão devorados pela coleção de leões do rei.” Eles dizem para o rei que todos estão de acordo, mas, obviamente, falta um indivíduo. O rei, todavia, não percebe isso, provavelmente porque a palavra concordaram pode se referir a um grupo de pessoas. Eles encheram a sala do trono do rei com tanta gente para que ficasse menos evidente que um não estava ali.

  • Além de personalidade e integridade, a terceira palavra que descreve sabedoria e refletida por esse sábio da Babilônia é consistência.

Lemos nos versos 9–10:

Por esta causa, o rei Dario assinou a escritura e o interdito. Daniel, pois, quando soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa e, em cima, no seu quarto, onde havia janelas abertas do lado de Jerusalém, três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava graças, diante do seu Deus, como costumava fazer.

Precisamos entender que essa era uma oração de fé que o povo de Deus se arrependeria e retornaria à sua terra. Com base na profecia de Jeremias, Daniel sabia que o cativeiro de Judá duraria 70 anos. Daniel, agora, transforma essa profecia em oração—três vezes ao dia. E o decreto do rei nada mudará.

Fiquei pensando: o que faz com que você comece uma vida de oração? O que faz com que sua vida de oração pare? Daniel poderia ter decidido que começaria um mês de oração silenciosa ou que passaria a orar à noite ao invés de durante o dia. Ele poderia ter ido fazer um passeio barulhento dentro de uma carruagem, onde ninguém o ouviria orando. Ele poderia ter decidido deixar seu devocional de lado pelos próximos 30 dias e Deus não teria problemas com isso. Afinal, Daniel já tem feito isso por mais de 70 anos. Não seria demais fazer uma pausa de 30 dias. Além disso, ele não precisava abrir suas janelas também. Ele poderia ter evitado aquilo que sabia perfeitamente ser uma armadilha. Esse, todavia, era o costume na vida de Daniel e ele recusa mudar seu costume mesmo sob pressão.

O pregador e comentarista John Phillips conta uma história pessoal de suas próprias lutas durante a Segunda Guerra Mundial. Ele escreve:

Encontrei-me em meio a uma crise. Tinha acabado de ser recrutado pelo exército britânico. Lá estava eu sentado em um trem sozinho, com a companhia de apenas um amigo que também tinha sido recrutado. Assim como eu, ele era um crente professo. A noite estava escura, fria e tempestuosa. Enquanto o trem viajava sobre aqueles trilhos e por meio de túneis, perguntei ao meu amigo: “Fred, a esta hora amanhã estaremos num galpão enorme em Bradford. O que você fará quando chegar a hora de dormir? Você vai orar ao lado do seu beliche ou só quando já estiver deitado na cama?” Sem hesitar, ele respondeu: “Na cama, é claro!”

Voltei para o meu canto e pensei um pouco mais. Eu tinha feito minha profissão de fé aos 10 anos e ensinado os elementos básicos da vida cristã. Sabia, porém, que não tinha um testemunho vibrante. Pensei nos meus dias da escola e nos anos em que trabalhei num banco. Fiz muitos comprometimentos. Com muito malabarismo, conseguia viver com uma máscara diante de meus colegas da escola e do trabalho e outra diante dos meus pais e amigos crentes. Percebi, dentro daquele trem frio e barulhento, que o que tinha era uma fé de segunda mão—o tipo de fé que Ló teve, o qual fez comprometimentos com o mundo. Eu precisava da fé de Abraão e Daniel.

A essa altura, Fred já estava dormindo. Desenrolei a gola do meu casaco e me encolhi para tentar me esquentar. Ali mesmo, orei: “Senhor, não tenho orgulho da minha vida cristã. Mas aqui e agora, proponho em meu coração que tu serás o Senhor da minha vida. Por isso, me ajoelharei ao lado do meu beliche amanhã. Com a tua ajuda, serei um crente verdadeiro daqui por diante.”

Ainda me lembro do meu primeiro dia no exército; fomos arrastados de um lado a outro e para todo lugar. Fomos vacinados e nos deram coturnos. Comemos comida sem sabor do exército e assinamos documentos. Éramos soldados. Daí, chegou a hora de ir dormir. Fiz o que tinha decidido fazer: coloquei minha Bíblia sobre a cama e me ajoelhei. Nada aconteceu; ninguém percebeu, ninguém se importou. Não sei pelo que orei ou se mesmo orei. Lembro vagamente de contar até 50 e dizer: “Amém.” Acho que Deus não viu problema nisso—tenho certeza, pelo menos no caso de um amador. Tinha deixado claro a todos. Tinha proposto aquilo no meu coração. Ia viver para Deus.

Daniel entrou em seu quarto e disse, com efeito: “Embora possa perder minha vida, me ajoelharei aqui, quem sabe pela última vez, louvarei e agradecerei ao meu Deus.”

E a armadilha disparou. Veja o verso 11:

Então, aqueles homens foram juntos, e, tendo achado a Daniel a orar e a suplicar, diante do seu Deus.

Eles foram correndo de alegria até o rei: “Nós o pegamos! E dessa vez ele não escapará.” E Daniel, dentro de seu quarto, provavelmente fez uma oração um pouco mais demorada do que de costume. Até onde sabia, sua vida em breve terminaria, não porque fosse desobediente a Deus, mas porque era obediente; não porque lhe faltava fé, mas porque era fiel.

James Montgomery Boice escreveu: “Aquilo que Daniel cria, ele praticava abertamente, sem se acovardar, sem se retrair, nada de convicções particulares; ele se ajoelhou aos olhos da Babilônia. Como precisamos de mais pessoas como Daniel, que abrirão suas janelas e honrarão a Deus diante de um mundo que as observa.”

O verso 14 relata:

Tendo o rei ouvido estas coisas, ficou muito penalizado e determinou consigo mesmo livrar a Daniel; e, até ao pôr-do-sol, se empenhou por salvá-lo.

Ou seja, deve haver alguma brecha aqui. Além disso, o rei sabe que foi enganado propositadamente a fim de que a competição seja eliminada. Assim, o único homem em quem pode confiar será eliminado do palácio. Ele sabe que foi enganado, então tem que haver uma saída. Lemos no verso 15:

Então, aqueles homens foram juntos ao rei [isso porque são covardes. Enquanto Daniel fica só, esses homens não conseguem se mexer sem a multidão. Como isso se parece com o mundo que cegamente segue a maioria; e como se parece com o crente que permanece só.] e lhe disseram: Sabe, ó rei, que é lei dos medos e dos persas que nenhum interdito ou decreto que o rei sancione se pode mudar.

Em outras palavras, não há brechas. Daniel precisa ser lançado na cova dos leões.

Um erudito liberal afirmou que esses não são leões de verdade; não se trata aqui de uma cova de leões real. Trata-se, na verdade, de linguagem poética para expressar o fato de esse círculo de políticos ter se tornado como um grupo de leões que ambicionam devorar Daniel. Daniel ficaria feliz com essa poesia toda. Mas não se trata de linguagem poética aqui. Esses eram leões verdadeiros e ele sabe que será o próximo jantar.

Arqueólogos escavaram covas de leões no Oriente Médio que tinham uma abertura superior. Elas eram cavadas fundo no solo e podiam ser vistas de cima. Escadas laterais conduziam até uma abertura, por meio da qual se alimentava os leões e se conduzia prisioneiros condenados—que é o que acontecerá com Daniel. Também era possível alimentar os animais ao lançar comida de cima mesmo, que é o que acontecerá com esses oficiais conspiradores.

As covas eram cavadas no formato de um quadrado e uma parede dividia a cova em dois ambientes. Na parte inferior dessa parede, havia uma porta de aço que podia ser levantada e baixada usando-se uma corda lá da superfície mesmo. Dessa maneira, podia-se jogar comida em um lado, atrair todos os leões para uma parte da cova, fechar a porta e colocar o prisioneiro no outro lado. Depois que prendiam o condenado na jaula, os algozes subiam as escadas laterais, erguiam a porta de ferro ao puxar a corda e os leões ficavam livres para atravessar para o outro lado e estraçalhar a vítima, que não tinha lugar para se esconder ou para onde fugir.

O rei passa o dia inteiro tentando resgatar Daniel da morte certa; ele ficou furioso com esses oficiais e consigo mesmo por não prestar atenção aos mínimos detalhes daquele edito. Não somos informados a respeito do que o rei faz na tentativa de salvar o profeta—quem sabe talvez tentou cobrir Daniel com uma armadura de ferro da cabeça ao dedão do pé. Todavia, qualquer coisa que tentasse representaria uma tentativa de revogar seu decreto. Apenas um milagre poderia salvar Daniel.

O fato de conhecermos o final da história às vezes nos impede de observar os detalhes no texto—e de usar um pouco da imaginação. Veja o que diz o verso 16:

Então, o rei ordenou que trouxessem a Daniel e o lançassem na cova dos leões. Disse o rei a Daniel: O teu Deus, a quem tu continuamente serves, que ele te livre.

Evidentemente, Dario acompanha Daniel até a cova e é o rei quem declara qual é a única esperança para Daniel. Você percebeu isso? Ele diz no final do verso 16: O teu Deus, a quem tu continuamente serves, que ele te livre.

Mas note que Daniel não diz nada. Ele não diz um “Amém! Vou acreditar em milagres aqui embaixo! Tenho certeza de que Deus me salvará. Estou declarando minha vitória neste exato instante.” Daniel não fala nada, muito provavelmente porque acredita que não sairá dali vivo. Não porque Deus não possa livrá-lo, mas porque Deus pode não querer livrá-lo.

Como vemos, Daniel não ia fazer promessas que Deus não planejava cumprir. Os crentes hoje precisam fazer a mesma coisa. Pare de colocar palavras na boca de Deus! Deus livrará Daniel de fato, mas pode ser que escolherá livrá-lo através da morte. E esse senhor piedoso de 85 anos está disposto a colocar sua confiança em Deus de qualquer jeito. Por isso, permanece calado, mas, creio eu, temendo por sua vida.

Será que Daniel ficou com medo? Será que caiu de joelhos na cova, tapou os ouvidos para não escutar os rugidos dos leões, os quais brigavam entre si para ver quem seria o primeiro a passar pela porta de ferro? Será que ficou se perguntando se doeria, por quanto tempo? É este o fim? Dava para ouvir a porta de ferro sendo erguida; ele se prepara para a arremetida violenta dos leões e a dor seguinte. A porta é levantada. De repente, e estranhamente, houve silêncio na cova. Ele sente um focinho gelado atrás da cabeça, ouve o suspiro pesado desses felinos enormes que se resvalam nele, mas que em seguida se deitam. Daí, Daniel abre os olhos; ele não está só com os leões; um anjo foi enviado dos céus não somente para fechar a boca dos leões, mas para lhe fazer companhia. Deus poderia ter milagrosamente feito esses leões dormir; poderia tê-los feito se comportar como gatinhos brincalhões. É interessante que Daniel não foi simplesmente livrado, mas que Deus lhe deu uma companhia, a qual surgiu talvez num dos momentos de maior solidão em sua vida.

Ao amanhecer, o rei sai correndo de sua câmara no palácio e vai até a cova gritando. Lemos nos versos 20–21:

Chegando-se ele à cova, chamou por Daniel com voz triste; disse o rei a Daniel: Daniel, servo do Deus vivo! Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões? Então, Daniel falou ao rei: Ó rei, vive eternamente!

Imagine o espanto do rei e de todos os oficiais que o seguiram até lá! Daniel está vivo!

Agora, antes de observar o que Daniel disse, pense no que ele poderia ter dito. Ele poderia ter começado dando um sermão no rei: “Como assim, será que meu Deus poderia me livrar?! É claro que pode! Você sabia que sou um de seus profetas?” Ou poderia ter agido corajosamente: “Ah, rei... não havia motivo algum para temer aqui embaixo. Dormi bem durante a noite. Já você parece que teve dificuldades para dormir!” E Daniel poderia ter agido com indiferença: “Está tudo tranquilo, rei. Tive a oportunidade de conhecer estes leões. São muito carinhosos. Tenho que descer aqui mais vezes.”

  • Além de personalidade, integridade e honestidade, existe uma quarta palavra que descreve a sabedoria manifestada no caráter de Daniel: humildade.

Veja o verso 22:

O meu Deus enviou o seu anjo e fechou a boca aos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante dele; também contra ti, ó rei, não cometi delito algum.

Agora que o rei Dario está ponto para ouvi-lo, Daniel simplesmente apresenta os fatos; nada de se gabar, bajular o rei ou planejar vingança. Depois que descobre a verdade, os conspiradores recebem a pena de morte imposta a Daniel. Todos morrem. O rei Dario se certifica de que ninguém mais no reino tentará enganá-lo.

  • A quinta e última palavra que descreve a sabedoria desse profeta idoso é legado.

O legado de Daniel é visto nas vidas de dois reis que dão um testemunho pessoal de fé no Deus vivo e verdadeiro de Daniel. Nabucodonosor rendeu glórias a Deus no passado; agora é a vez do persa Dario. Lemos no verso 26:

Faço um decreto pelo qual, em todo o domínio do meu reino, os homens tremam e temam perante o Deus de Daniel, porque ele é o Deus vivo e que permanece para sempre; o seu reino não será destruído, e o seu domínio não terá fim.

O rei Ciro conhecerá Daniel também e promulgará vários decretos, permitindo que o povo judeu deixe o cativeiro e retorne a Jerusalém.

Haverá mais 3 decretos com o passar dos anos. No capítulo 9, Daniel profetiza que, 483 anos após o decreto para reconstruir a cidade de Jerusalém ter sido feito, o Messias virá. Esse famoso decreto é feito pelo rei persa Artaxerxes Longanimus. Nesse decreto, ele comissiona um homem chamado Neemias para voltar e reconstruir a cidade santa. O decreto foi feito no ano 445 a.C. Exatamente 483 anos depois, Jesus Cristo entrou em Jerusalém montado num jumentinho e o povo exclamou:

...Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai! Hosana, nas maiores alturas! (Marcos 11.9–10).

Em Daniel 9.25, o profeta também prediz que o Messias será cortado subitamente. Ou seja, ele morrerá. Isaías profetizou a mesma coisa e preencheu até algumas lacunas. Depois de entrar em Jerusalém, o Messias morrerá para pagar pelos pecados de ovelhas que se desviavam pelo caminho (Isaías 53.6).

Ainda tem mais. O legado de Daniel continuou por várias gerações, até que os magos—homens que ele mesmo treinou—viajando um ano do Oriente, aparecem em Jerusalém e perguntam: Onde está o recém-nascido rei dos judeus? “Onde está o Príncipe sobre o qual Daniel, nosso mestre dos magos, profetizou?” porque viemos para adorá-lo (Mateus 2.2).

Eles estavam prontos para a chegada do Príncipe, o Messias, e já eram crentes, prontos para adorá-lo. Mateus nos conta que os magos encontram a casa onde está o menino Jesus, o qual, a essa altura, tem 1 ano ou mais. Eles lhe oferecem presentes—eles viajaram da Pérsia para coroar o herdeiro do trono de Davi. E com quem eles aprenderam sobre o Príncipe vindouro? Da boca de um mago—um sábio—chamado Daniel, cujo legado se estende do Antigo ao Novo Testamento; um homem que demonstrou sabedoria por meio de sua personalidade, integridade, consistência, humildade e legado.

Agora, podemos pensar que Daniel estava com a vida feita e que todos os reis de impérios subsequentes o promoveram. Porém, Deus nunca permitiu que Daniel retornasse à sua terra natal. Ele nunca voltou para o local ou povo pelo qual orava diariamente—três vezes por dia. A resposta de Deus foi sempre a mesma: “Daniel, quero que você fique aqui, nos palácios da Babilônia e da Pérsia, e não somente sirva de exemplo de sabedoria, mas para que proclame a verdade de um Messias, um Libertador vindouro, o qual estabelecerá um reino eterno.” E esse reino incluirá todos nós que também coroamos esse Príncipe como o nosso Senhor e Messias.

 

Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 23/12/2012

©Copyright 2012 Stephen Davey

Todos os direitos reservados

 

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