Não Seja Esnobe!

Não Seja Esnobe!

Ref: James 1–5

Não Seja Esnobe!

Série A Lei do Amor: Resposta à Discriminação – Parte 1

Tiago 2.1–7

 

Introdução

Entre 9 da manhã e 1 da tarde, milhares de propagandas de televisão têm como alvo crianças até 6 anos. Programas de televisão e dvd foram até desenvolvidos para bebês e existe até um canal de tv a cabo dedicado a bebês. O motivo para isso é óbvio. Já foi constatado que, por volta dos dois anos de idade, a criança pode identificar marcas e preferir produtos de marca a produtos sem marca. Quando chega aos três anos, a criança será capaz de pressionar seus pais a comprar produtos baseado na popularidade entre seus coleguinhas ao invés de na necessidade ou valor. Crianças pequenas, hoje, determinam qual carro seus pais devem dirigir, em que restaurante comer, qual escola estudar, o que colocar em sua lancheira e qual roupa vestir. Assim, bilhões são gastos todo ano em propagandas que visam o público abaixo dos dez anos de idade.

Sejam carros, entretenimento, comida ou roupas, nossa cultura identificou um defeito em particular com a natureza humana e tem montado uma rede de estratégias para manipular esse defeito. Esse defeito é o desejo de não somente se encaixar em seu ambiente, mas de ser visto como superior. De maneira simples, posição vale ouro. O que você possui é mais importante do que a pessoa que é; e esse problema continua em várias áreas da vida.

Podemos chamar isso de “classismo”—a que classe ou nível da sociedade você pertence; racismo—qual é a sua raça; ou culturalismo—o que existe em você que não se encaixa com o ambiente onde está inserido.

E é o crente que encara essas questões de uma perspectiva completamente diferente. O motivo é que entendemos que Deus nunca projetou a Bíblia para se encaixar em nossa cultura contemporânea. O objetivo de Deus com a Bíblia é criar uma cultura inteiramente distinta, tanto em pensamento como em atitude e perspectiva.

Por esse motivo, Tiago redefine a religião pura e sem mácula como a religião que interage, cuida  e administra as necessidades de viúvas e órfãos. Cristianismo genuíno ama e cuida das pessoas que recebem compaixão sem merecer, ou seja, não podem nos retribuir, não podem melhorar nossa reputação, não acrescentam nada ao nosso currículo. Nosso cuidado e amor para com essas pessoas é simplesmente uma questão de graça.

Agora, Tiago entra no capítulo 2 de sua carta aos crentes judeus espalhados e faz outra declaração surpreendente que cria uma nova cultura.

  • A Declaração

Note o verso 1 de Tiago 2:

Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas.

Em outras palavras, discriminação social e Jesus Cristo não se misturam. Paulo escreveu:

Porque para com Deus não há acepção de pessoas (Romanos 2:11)

Jesus Cristo foi tudo, menos esnobe. Ele nunca andou por aí com o nariz empinado. Até que poderia. Afinal, se pararmos para pensar, ele era o Filho de Deus. Ele foi tão bondoso para com a mulher samaritana como foi para com Nicodemos. Ele foi tão gracioso para com a mulher que tocou a orla de seu manto como para com Jairo, o chefe da sinagoga. Da mesma forma como esteve disponível ao cego Bartimeu, esteve para o jovem rico. Ele deu a mesma oferta de salvação aos discriminados da época como deu para os escribas e fariseus. Sua preocupação dominante era a condição espiritual das pessoas. Tiago escreve aqui a crentes e diz: “Façam a mesma coisa; pensem da mesma forma: parcialidade e Cristianismo são incompatíveis.”

Foi interessante descobrir que o termo original para acepção no verso 1 é uma palavra composta que nunca ocorre fora das Escrituras. Essa foi, aparentemente, uma palavra desenvolvida no início da igreja. Duas palavras são unidas para criar essa ideia que literalmente significa “receber a aparência do rosto.” Ela se referia à atenção dada a alguém baseada em seu rosto, se era alguém atraente ou não. Daí, o termo se desenvolveu, passando a incluir a ideia de dar atenção e favor a alguém baseado em seu prestígio, educação, raça, saúde e posição, a despeito dos méritos de seu caráter ou personalidade. Uma versão da Bíblia traduz da seguinte forma: “Não tenham a fé com atitude esnobe.” Esse é o tipo de declaração que transforma a cultura. Algo irá mudar radicalmente para o crente que deseja crescer.

Tenho um artigo que destaca os escritos de Hesíodo, um poeta que viveu 700 anos antes de Cristo. Ele escreveu: “Ame aqueles que o amam e ajude aqueles que o ajudam. Dê àqueles que lhe dão algo, nunca aos que não poderão lhe dar nada.” Isso é fácil de fazer e é assim que o mundo funciona; a vida é assim, supere!

Jesus Cristo, é claro, colocou esse pensamento de ponta-cabeça ao dizer, com efeito: “Vocês ouviram que se deve fazer para outros assim como eles fazem a você; já faz séculos que vocês têm lido Hesíodo. Mas eu digo a vocês:

Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles... (Mateus 7.12).

Veja bem, essa questão foi tão real para o século primeiro como é real para nós hoje no século 21. Não ceda ao classismo, racismo e culturalismo, qualquer que seja o tipo de discriminação. Não se curve diante de prestígio; não almeje marcas; não se concentre em posição social; não se renda a imagem ou aparências; porque, se assim fizer, você não poderá transformar a atitude de parcialidade e do preconceito, e de rotular as pessoas conforme categorias estratificadas. O crente que age dessa maneira revela que, apesar de estar em Cristo, não está crescendo em Cristo. Então, Tiago escreve o imperativo: “Pare com isso! Pare de sustentar sua fé em Cristo com atitude preconceituosa!”

Tiago conhecia muito bem o problema de preconceito e parcialidade. O problema na igreja que ele pastoreou anos antes era o simples fato de judeus não gostarem de gentios e vice-versa. Assim como a igreja de hoje tem dificuldade em vencer preconceitos do passado entre brancos e negros, pobres e ricos, europeus e sul-americanos, e entre africanos e asiáticos.

Dar atenção baseado nesses padrões é “receber alguém por causa da aparência de seu rosto;” é favoritismo baseado em imagem, posição e raça. Daí, o que acontece? Pessoas de toda tribo e língua vão à fé em Cristo e se tornam membros da assembleia dos crentes. Esses, assim como os que vieram antes deles, podem ter sido redimidos por Cristo, mas ainda entram na igreja carregando certa bagagem do passado.

Veja bem: todos nós, quando chegamos à igreja, trouxemos conosco certa bagagem da vida passada. Importamos para dentro da igreja nossa antiga educação na perspectiva mundana sobre marcas e valores. E isso, no fim, é transferido às pessoas que classificamos, codificamos e categorizamos como “quem é alguma coisa” e “quem não é nada.”

De acordo com Tiago, nossa unidade, aceitação e amor não têm nada a ver com nosso rosto, mas tudo a ver com nossa fé. Mas esse tipo de favoritismo estava acontecendo na igreja do século primeiro e, em questão de poucos meses depois de 3 mil pessoas terem se convertido a Cristo em Jerusalém, a primeira divisão surgiu e as murmurações começaram. Por quê? Por causa do tratamento preferencial na igreja para com as viúvas judias em detrimento das viúvas gentias de segunda categoria.

Como você vê, não demorou muito para que as pessoas começassem a desfazer suas malas no templo da igreja. Não demorou muito para a igreja começar a montar assentos para a primeira classe e assentos para a classe econômica: os judeus eram a primeira classe e os gentios ficavam no fundão, na classe econômica, onde pessoas se amontoam umas nas outras, sentam-se mais perto umas das outras do que se sentam dos seus próprios cônjuges.

Eu viajei outro dia em classe econômica e digo a você: a última vez que me sentei tão perto de alguém assim foi quando pedi minha esposa em casamento! Nessa viagem, eu e a senhora que estava ao meu lado revezávamos: quando um se inclinava para frente, o outro se encostava para podermos respirar.

Falando sobre problemas de assento, Tiago continua e parte de sua declaração inicial no verso 1 a uma cena que envolve assentos no verso 2.

  • O Cenário

Note o cenário bem realista no verso 2:

Se, portanto, entrar na vossa sinagoga algum homem com anéis de ouro nos dedos, em trajos de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso,

Espere só um momento. Antes mesmo que os diáconos encontrem lugares para esses homens, perceba bem o que se passa aqui.

A linguagem que Tiago usa para descrever esse cenário indica que esses homens chegavam à igreja depois de o culto já ter começado. Tiago se refere à igreja como synagoge ou “sinagoga.” No capítulo 5, ele usa o termo ekklesia, que é “igreja.” Ambos os termos se referem a uma assembleia de adoradores. O uso de sinagoga é mais uma evidência de que Tiago escreve logo no início do período da história do Novo Testamento. Então, esses dois homens chegam atrasados para o culto; o culto já começou, provando que essa é uma igreja batista.

O primeiro homem usa um anel de ouro, um acessório que naquela época exibia tanto seu prestígio social como sua riqueza. Tiago, portanto, apresenta um homem de alta posição social, de poder e dinheiro. Na verdade, Tiago usa um termo que literalmente significa “com dedos de ouro.” Era comum ver homens e mulheres usando anéis, tanto no mundo judeu como no mundo gentio. Entretanto, um homem rico usaria anéis na sua mão esquerda e em todos os dedos. Essa seria uma demonstração ostentosa de riqueza. E, caso você não fosse tão rico assim, havia lojas no século primeiro onde se era possível alugar anéis para se amostrar e se passar como alguém rico. O filósofo romano Sêneca escreveu no século primeiro que homens ricos adornavam seus dedos com anéis e pedras preciosas em cada junta.

A igreja tentou tratar do assunto já no princípio. Clemente de Alexandria, um líder da igreja que serviu cerca de 100 anos após Tiago, insistiu aos crentes que usassem apenas um anel e evitassem essa demonstração pública de riqueza. Em outras palavras, eles já tinham um problema com brilho logo no século primeiro.

Tiago também se refere no verso 2 a trajos de luxo. O termo traduzido como luxo é lampra, indicando que eram roupas que brilhavam ou reluziam. Muito provavelmente, esse homem rico estava vestido com mantos brancos brilhantes geralmente usados por judeus abastados.

Muito bem, esse homem chega atrasado para o culto (talvez até de propósito), caminha na igreja parecendo um cantor de pagode—cheio de ouro pendurado. Ele é recebido de tal forma que anunciam sua riqueza e poder. Ele possui prestígio, poder e boa imagem. Todos se viram e olham para ele.

Em seguida, outro homem chega. Tiago o descreve no verso 2: e entrar também algum pobre andrajoso. Tiago usa uma palavra para pobre que usaríamos para nos referir a um mendigo. É óbvio que, nesse cenário, Tiago cria dois extremos opostos. Não é que esse homem pobre não tenha muito dinheiro; ele não tem nenhum dinheiro. E isso é um contraste absoluto com o Sr. Brilho, que obviamente tem dinheiro até para queimar.

A propósito, não existe nada de errado em ser rico ou pobre. Na verdade, tratar um rico de forma ruim é um tipo de discriminação inversa. Essa não é a questão que Tiago enfatiza no momento, apesar de ficar óbvio no contexto que o irmão rico deseja chamar a atenção de todos. A lição que Tiago deseja ensinar diz respeito à nossa reação diante desses dois homens.

Existe também outro contraste: a roupa deles. Tiago diz que o irmão pobre é andrajoso. A referência aqui é à sua roupa. O termo que Tiago utiliza descreve uma roupa “imunda, podre de suja.” Ele não tem dinheiro nem para tomar banho e já faz muito tempo que não lava sua roupa; é bem provável que tenha pego essa roupa no lixo da esquina. Ele, literalmente, fede e já passou dos limites suportáveis. Esse indivíduo está, nas palavras de um estudioso do grego, “sujo, acabado e miserável.”

Completamente diferente do primeiro homem, ele não tem relação ou contatos com pessoas importantes, não tem dinheiro ou prestígio, mas a pior imagem possível. E o pior de tudo: ele não tem nada a oferecer para o benefício das pessoas ao seu redor naquela assembleia.

A propósito, ele não vai à igreja para conseguir algum dinheiro. O cenário sugere que ele e o homem rico são descrentes que simplesmente entraram na igreja para ver o que está acontecendo lá dentro.

Agora, observe o que ocorre no verso 3:

e tratardes com deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes: Tu, assenta-te aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé ou assenta-te aqui abaixo do estrado dos meus pés,

“Tratar com deferência” significa que eles dão atenção especial ao homem rico. O verbo significa “encarar, olhar com admiração;” diríamos, “olhar quase que babando.” Todos param de respirar e olham para esse homem. Um estudioso do grego afirma que esse verbo tem a ideia de cobiça e inveja. Em outras palavras, todos olham para ele e dizem no coração: “Nossa, cara, ele já está com a vida feita. Queria eu ter o que ele tem!”

Até o dia de hoje, igrejas ortodoxas na Grécia não possuem templos repletos de bancos ou cadeiras. Existem cadeiras encostadas nas paredes laterais para as pessoas insignificantes. Mas existem bancos na frente reservados para convidados de honra e membros ricos e ilustres; na verdade, a prática é a de alugar esses lugares.

Essa prática passou para a Inglaterra e, depois, para os Estados Unidos. Era comum ver bancos com pequenas portas laterais com fechaduras para as pessoas que alugavam aqueles assentos. A partir desses aluguéis, a igreja mantinha seu orçamento e ninguém se sentava no seu lugar. Até mesmo esse problema é velho!

Pastores nos períodos iniciais de fundação dos Estados Unidos ficaram famosos ao anunciarem que os bancos seriam livres, de graça, e qualquer pessoa poderia vir e se sentar.

John Wesley e George Whitfield criaram um escândalo nos anos de 1700 ao pregarem nos campos para o povo comum. Historiadores registram esses homens pregando para milhares de mineradores de carvão ao amanhecer nos campos e suas lágrimas de arrependimento descendo e fazendo uma trilha branca em seu rosto preto de carvão. Essas pessoas não iam para a igreja porque não tinham dinheiro para comprar ou alugar um assento; não eram pessoas consideradas respeitáveis e não tinham contatos importantes.

Pouca décadas atrás, um homem negro não podia beber do mesmo bebedouro onde um homem branco bebia, nem comer no mesmo restaurante, nem fazer compras nas mesmas lojas, nadar na mesma piscina e, com certeza, não podiam também frequentar a mesma igreja. Que vergonha e mácula na história!

Fico me perguntando onde estavam os pastores e expositores das Escrituras que eram governados por ela—por este texto de Tiago 2. Sinceramente, essa passagem nunca desapareceu da Bíblia; ela esteve sempre aqui à nossa frente!

Como é maravilhoso ter em nossas igrejas pessoas de todas as raças e níveis sociais possíveis! Que esse espírito cresça e sirva de evidência de que as normas da cultura são destruídas pela verdade do Evangelho da graça! Temos até palmeirenses e corinthianos, flamenguistas e vascaínos na mesma igreja; eles podem até não estar sentados juntos, mas estão na mesma sala!

Eu mencionei antes que um recepcionista ou diácono recebia esses homens na assembleia e os direcionava a um lugar. Mas, nos dias de Tiago, sabemos pela história que esse recepcionista era alguém designado para receber os visitantes e suprir suas necessidades, o que incluía lhes direcionar a algum assento. Não sabemos quando essa prática começou, mas, na igreja primitiva, os diáconos recebiam do pastor a responsabilidade de ajudar as pessoas a se sentarem e manter a ordem durante o culto. O diácono tinha a responsabilidade de ajudar os atrasados a se sentar para que o pregador não tivesse que interromper seu sermão e direcioná-los a locais disponíveis. Um documento da igreja primitiva revela que essa prática evitava que o pastor fosse tentado a oferecer os melhores lugares a visitantes ricos.

Então, esse não era um problema espiritual dos recepcionistas; essa era uma falha no caráter da liderança da igreja que infiltra a congregação e todos acabam aceitando a mesma imagem, prestígio, marca e mentalidade, demonstrando parcialidade e favoritismo no mesmo nível que o mundo.

A igreja poderia começar o culto hoje dizendo: “Muito bem, enquanto os instrumentos fazem o prelúdio, levante-se e cumprimente pessoas que não fazem parte de sua panelinha.”

  • O Resumo

 

  • Favoritismo é maligno

Agora, Tiago nos fornece um resumo desse cenário. Ele escreve no verso 4:

não fizestes distinção entre vós mesmos e não vos tornastes juízes tomados de perversos pensamentos?

Esse é um resumo do que Deus pensa a respeito daquilo que acabou de acontecer na igreja.

Primeiramente, Tiago diz que isso tudo não passa de pensamento pecaminoso. Ele diz que é uma perversidade ou malignidade chegar à assembleia e fazer essas distinções entre si, criando estratos na igreja. E ele diz simplesmente: isso é perverso. Chame do que você quiser, mas não está correto. Parcialidade e favoritismo não são um problema de pele, mas de pecado.

Então, o rapaz com dinheiro e contatos recebe o melhor lugar, enquanto o pobre suja ainda mais sua roupa ao se sentar no chão com pernas cruzadas, ou é forçado a ficar em pé com pés cansados por uma hora ou mais até o culto terminar. Ouça bem: a igreja deve ser o lugar na face da terra onde todo preconceito é eliminado. A igreja é o lugar a demonstrar como se pensar justamente, como valorizar outros de acordo com a cultura de Deus, não com a cultura dos homens.

Kent Hughes conta uma história em seu comentário no livro de Tiago de uma pobre mulher crente comprometida com Cristo que queria se unir a uma igreja próxima à sua casa, para onde ela poderia ir até mesmo caminhando. Ela foi à igreja e conversou com o pastor sobre o assunto. O pastor não estava muito satisfeito com a aparência dela, nem com a forma como ela falava; ele achava que ela não teria muito a oferecer à igreja. Então, ele lhe disse que não fosse precipitada; deveria ir para casa, ler a Bíblia todos os dias e ver como ela se sentiria depois disso. Ela fez exatamente como ele recomendou. Uma semana depois, ela retornou e foi até o pastor novamente. Ele ficou meio irritado, mas disse: “É o seguinte: por que você não vai para casa e ore a respeito de sua decisão esses dias e pergunte ao Senhor se ele realmente deseja você nesta igreja?” Ele não a viu por vários meses. Finalmente, um dia, ele estava andando no centro da cidade e seus caminhos se cruzaram. Ele tossiu nervoso, mas perguntou: “Bom, qual a sua decisão?” Ela disse: “Ah, eu fiz o que o senhor me pediu—fui para casa, orei todos os dias e, um dia enquanto eu orava, o Senhor me disse: ‘Não se preocupe se você não for entrar naquela igreja. Eu mesmo já tenho tentado entrar lá faz 20 anos e eles não me permitem também’.”

Que tragédia quando uma igreja faz dentro de suas paredes aquilo que o mundo faz lá fora.

  • Favoritismo é contrário ao Evangelho

Tiago não somente condena essa assembleia por sua atitude pecaminosa, mas também desafia aqueles irmãos, dizendo que sua atitude é contrária à natureza do Evangelho. Note o verso 5; veja que Tiago fala com crentes aqui:

Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam?

A propósito, não podemos interpretar o texto de forma errada e concluir que Tiago fecha as portas da salvação aos ricos. O que ele diz, na verdade, é que o Evangelho está disponível aos pobres.

O amor do Evangelho de Cristo é especialmente precioso a uma pessoa pobre que nada tem. Alguém considerado sem valor fica maravilhado ao ver que Deus lhe concede, pela fé em Cristo, um valor eterno. O pobre, de maneira especial, fica encantado com o fato de que o chão ao pé da cruz é igual para todos e, sinceramente, a história da igreja pode demonstrar facilmente que, quando comparados aos ricos, os pobres têm respondido ao Evangelho com mais presteza.

As palavras de Tiago me fizeram pensar: por que as pessoas pobres ao redor do mundo se interessam pelo Evangelho mais do que as ricas? Por que os movimentos históricos do Cristianismo, voltando até os tempos de Spurgeon na Inglaterra, foram em meio aos trabalhadores braçais ao invés de em meio aos ricos? Talvez porque:

  • o pobre possui pouco otimismo de que sua vida lhe oferecerá alguma solução, então ele anseia por um final feliz;
  • o pobre não possui nenhum senso pessoal de importância;
  • a pessoa pobre reconhece imediatamente as boas-novas do Evangelho;
  • o pobre fica maravilhado com a ideia de que Deus o ama;
  • o pobre possui pouco ou nada que o priva de abraçar Cristo;
  • o pobre anseia com maior alegria por um futuro com um soberano benevolente.

Por que não existem mais ricos vindo a Cristo? Talvez porque:

  • o rico é atraído a crer que Deus já o tem abençoado; ele confunde segurança financeira com segurança espiritual;
  • o rico depende de si mesmo e despreza qualquer coisa que é de graça;
  • o rico tem interesse em se unir a algo que o promoverá, não humilhará; então, a igreja não lhe é atraente;
  • o rico não é atraído por um céu que promete algo que ele pensa que já possui;
  • ao ter suas necessidades terrenas supridas, o rico tropeça em considerar sua eternidade e sua maior necessidade.

O apóstolo coloca esse assunto em perspectiva ao escrever:

Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento... para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor (1 Coríntios 1.26, 31).

Não tem ninguém de grande importância dentro da igreja? Não segundo os padrões do mundo.

Em uma carta, um homem conta que conduzia um grupo de turistas por pequenas vilas na Inglaterra. Quando estavam caminhando, eles passaram por um senhor idoso sentado à beira de uma cerca. Um turista, com um ar de superioridade, perguntou: “Algum homem de importância na história nasceu nesta vila?” Ao que o idoso respondeu: “Não... somente bebês.”

Gosto da forma como Eugene Peterson parafraseia o texto de 1 Coríntios 1.26, 31:

Olhem bem ao seu redor, amigos... Não vejo no seu meio ninguém que estivesse dentre os “melhores e maiores,” não muitos de influência, não muitos de famílias da alta sociedade. Não está óbvio que Deus escolheu homens e mulheres desprezados, explorados e discriminados por nossa cultura, escolheu os “ninguéns” a fim de expor as santas pretensões dos “alguéns”? Tudo o que temos – pensamento justo, uma ficha limpa e um novo começo – vem de Deus por meio de Jesus Cristo.

Então, como podemos ousar tratar pessoas diferente da forma como Jesus Cristo as tratou? Como empinar nosso nariz aos ninguéns, se eles se tornaram os favoritos de Deus? Estamos de acordo com o Evangelho ou não? E como podemos viver o Evangelho dentro da igreja ao sermos observados por crentes mais jovens?

Se você estivesse sentado na assembleia que Tiago descreve, concluiríamos que:

  • o homem rico é mais importante para a igreja do que o homem pobre;
  • talvez Deus ame mais este homem aqui porque o enriqueceu;
  • talvez Deus não gosta de pessoas pobres, pois a igreja obviamente não gosta delas;
  • talvez pessoas pobres mereçam sentar no chão;
  • quando o assunto é igreja, assim como no mundo, o dinheiro é que manda;
  • tudo indica que os líderes da igreja irão bajular os ricos.

Tudo isso foi aprendido naquele domingo à noite quando esses dois homens entraram na igreja; e a congregação aprenderia como ser espiritualmente esnobe—como receber pessoas por causa do rosto e não por causa da fé. De acordo com Deus, as lições aprendidas seriam pensamento pecaminoso e contrárias ao Evangelho.

  • Favoritismo não faz sentido lógico

Tiago ainda continua em seu resumo e diz: “O favoritismo de vocês é logicamente sem sentido.” Veja o verso 6:

Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos oprimem e não são eles que vos arrastam para tribunais?

Em outras palavras, o que vocês estão pensando? No domingo, bajulam a mesma pessoa que na segunda os lança na prisão por causa dos seus débitos.

No século primeiro, a lei permitia  que, se um credor se encontrasse na rua com seu devedor, ele poderia agarrá-lo pelo manto e literalmente arrastá-lo até o tribunal. Com bastante frequência, os ricos usavam sua influência em disputas de propriedade e o pobre ficava sem um representante legal.

Novamente, Tiago não está condenando o rico por ser rico ou poderoso, mas por usar sua riqueza e poder para ganhar vantagem sobre o pobre. Um exemplo disso ocorreu na China na preparação para as Olimpíadas. Oficiais da cidade de Beijing deram ordens para a demolição de centenas de casas para cederem espaço a construções para os jogos.

  • Favoritismo cria amizade com blasfemadores

Rapidamente, Tiago continua e adiciona mais uma razão para o crente não agir com parcialidade em favorecimento ao rico e poderoso. Ele nos diz no verso 7:

Não são eles os que blasfemam o bom nome que sobre vós foi invocado?

De novo, falando em termos gerais, os ricos, influentes e poderosos do mundo são descrentes e antagonistas ao Evangelho. Quando a igreja se prostra diante deles, ela forja amizade com blasfemadores. Tiago escreve: “Eles blasfemam o nome de Jesus Cristo, o nome que vocês invocam.”

A frase que sobre vós foi invocado é a mesma palavra grega usada para o ato de a esposa tomar sobre si o nome de seu marido. Nós somos a noiva de Cristo. Iremos nós bajular e nos alvoroçar por causa de alguém que blasfema o nome de nosso Noivo? Daremos o assento de honra a alguém que desonra a reputação e o nome do nosso Senhor? Tiago diz: “Como isso está errado!”

Se você se recorda do verso 1, vimos o motivo por que favoritismo e parcialidade são especialmente perversos e, ao mesmo tempo, trágicos. O verso 1 diz:

Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas.

Ou seja, nós nos chegamos aqui e nos reunimos como uma assembleia diante da presença do nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória.  Poderíamos traduzir esta frase como: “O Senhor Jesus Cristo, que é a glória.” Essa é uma referência à nuvem da glória do Shekinah, o brilho da glória de Deus.

Isaías profetizou dizendo que A glória do SENHOR se manifestará (Isaías 40.5); Paulo escreveu a Tito:

aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,

A palavra grega para “glória” é doxa, da qual derivamos nosso termo “doxologia.” Cristo é a doxa—a glória de Deus. E nós adoramos a glória de Deus revelada na pessoa de Jesus Cristo. Nós nos reunimos numa assembleia na presença de nosso Senhor Jesus Cristo, que é glorioso!

Aqui está a lição: na presença dele, todos nós temos a aparência de imundos e podres; todos parecemos sujos quando comparados à sua santidade; todos parecemos sem esperança e mendigos. Como pode a igreja de Cristo ou o crente agir com arrogância e superioridade? Comparados a ele, somos todos vasos de barro. Mas esta é a glória de Cristo e do Evangelho:

  • Apesar de parecermos imundos, somos santos;
  • Apesar de diariamente nos sujarmos com pecado, somos purificados pela expiação de Cristo;
  • Apesar de não termos esperança, foi-nos garantida uma esperança futura;
  • Apesar de mendigos, recebemos uma posição de nobreza em igualdade, juntos e iguais, filhos e filhas, cujo lar eterno é o reino de Cristo;
  • Apesar de vasos de barro, ele escolheu derramar dentro de nós o tesouro do Evangelho para levarmos a outros.

Não devemos ser esnobes; devemos ser torneiras da graça.

Nunca me esquecerei do mecânico que estava trabalhando em meu carro vários anos atrás. Eu o conheci há um tempo e, enquanto ele trabalhava no meu carro, eu compartilhava com ele o Evangelho. De repente, ele parou e me disse: “É  o seguinte: eu trabalho a semana inteira para pagar minhas contas, às vezes até tarde da noite aos sábados, e ainda domingos pela manhã. Você acha que teria problema se eu fosse para a sua igreja com graxa ainda nas mãos?” E a resposta é: “Claro que não!”

Venha à igreja e se junte à coleção de vasos de barro; junte-se à assembleia dos “Zé Ninguéns.”  O missionário Jim Elliott escreveu: “Somos todos ninguém tentando exaltar um Alguém.” Esse Alguém é o nosso Senhor Jesus Cristo, que é glorioso!

 

 

Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no ano de 2010

© Copyright 2010 Stephen Davey

Todos os direitos reservados

 

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