
Dupla Personalidade
Dupla Personalidade
Série Terapia da Fala para Santos – Parte 3
Tiago 3.9–12
Introdução
Em nosso estudo de hoje, Tiago irá nos ofender ao máximo, descrevendo-nos como pessoas de dupla personalidade, que agem de formas completamente diferentes dependendo da situação; pessoas que são justas e responsáveis, mas que, ao mesmo tempo, agem também como más, perversas e assassinas.
Nesta carta de Tiago, o Espírito de Deus, de quem ninguém consegue guardar segredo, revela o perigo de nossa língua e o poder de nosso discurso.
Pela direção do Espírito, Tiago, o meio-irmão do Senhor Jesus, descreve a língua como freio na boca de um cavalo e como leme de um navio—algo pequeno, mas que determina poderosamente a direção do corpo inteiro.
Tiago continua e escreve que nossa língua é como uma floresta em chamas e como uma besta-fera que não pode ser domada, sempre buscando escapar e que carrega ao redor um veneno mortífero que destrói vidas.
Agora, nos versos seguintes do capítulo 3, Tiago nos dirá que temos viva, dentro de nossa boca, uma dupla personalidade.
Em nossa meditação anterior, estudamos oito descrições diferentes fornecidas por Tiago. Vimos como a língua é destrutiva, depravada, contaminada, determinante, diabólica, desobediente, perigosa e mortal. Podemos dar continuidade a isso, afirmando que a língua é dupla. Também é possível afirmarmos que a língua é dicótoma.
O chefe de uma vila na Índia simplifica bem essa questão ao se referir à cultura Ocidental: “O homem branco fala com uma língua bifurcada.”
E é verdade, não importa quem você seja. A língua não é um problema de nacionalidade, mas um problema da natureza humana. Nós todos temos dentro de nós, indivíduos redimidos, uma personalidade dupla. A batalha está sempre sendo travada. E é exatamente isso o que Tiago confessa no verso 9, onde paramos em nosso estudo anterior.
- Tiago começa com uma confissão honesta.
Ele escreve no verso 9 e início do verso 10:
Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição...
Novamente, Tiago muda para a primeira pessoa do plural: “nós.” Ele não escreve: “Todos vocês bendizem ao Senhor, mas amaldiçoam um ao outro.” Não, ele diz: “Nós todos fazemos isso!” Quer seja você um discípulo já maduro de Cristo Jesus ou um novo convertido, todos nós temos essa batalha interior.
Um especialista em grego ilustrou esse verso com termos bem práticos ao escrever: “Todos temos dois cachorros dentro de nós: um cachorro bom e um cachorro perverso; e ambos querem latir pela mesma boca.” Os dois cachorros querem latir pela mesma boca! Qual dos dois você solta? E a propósito, nenhum desses cachorros está dormindo!
Vamos dar uma observada mais de perto nessa batalha. Tiago escreve no verso 9: Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai. E este é o uso mais nobre e sublime da língua humana:
- quando cantamos dando glórias a Deus porque ele tem feito grandes coisas;
- quando cantamos que tememos a Deus, o Santo Deus digno de todo louvor;
- também cantamos que Jesus Cristo pagou o preço de nossa redenção;
- e entoamos que Cristo é nossa única esperança, nossa luz, nossa força e nossa canção.
Quando cantamos dessa forma, fazemos o uso mais santo, honroso e glorioso de nossa língua, nosso discurso, nossa boca. Na verdade, essa é uma das bênçãos da assembleia, onde nós, juntos com a família da igreja, erguemos coletivamente nossas vozes, esquecemo-nos de nós mesmos, concentramo-nos na glória, na suficiência e na honra de nosso Senhor e Salvador, a quem bendizemos. Tiago diz: “Sim, utilizamos nossa língua para bendizer ao Senhor.”
A palavra bendizemos é o termo eulogoumen. É uma palavra composta por eu, que significa “bom, bem;” e por logos, que significa “palavra.” Eulogoumen significa boas palavras ou falar bem sobre alguém. Eulogoumen dá origem à nossa palavra “elogio.”
Se você já foi a um funeral, então sabe do que estou falando. Funerais são ocasiões quando as pessoas transbordam elogios sobre o defunto. De fato, não importa quão perverso o indivíduo tenha sido, alguém encontrará algo bom para falar sobre ele, não é?
Mas, de acordo com Tiago, o elogio não deve se limitar a funerais. Os judeus para quem Tiago escreve entenderam imediatamente o conceito de “elogiar” Deus ou “bendizer a Deus.” Onde quer que o nome de Deus fosse mencionado, os judeus respondiam: “Bendito seja ele, bendito é ele.” Três vezes ao dia, os devotos judeus repetiam as orações chamadas Eulogias, e cada uma delas começava com as palavras: “Bendito sejas tu, ó Deus.”
Tiago diz a eles e a nós hoje aqui no verso 9: “Como é fácil bendizer a Deus e louvá-lo três vezes ao dia ou aos domingos na igreja, e, daí, com a mesma língua, amaldiçoar os irmãos.”
A palavra traduzida como amaldiçoamos não se refere a profanação ou coisas vulgares. Esse é um termo que carrega a ideia de menosprezo, exclusão, palavras maléficas. “Amaldiçoar” significa caluniar, fofocar e acusar. Nesse contexto, refere-se àqueles dentro da comunhão que têm praticado essas coisas, pessoas dentro da igreja.
Mas ainda existe outra nuança desse verbo, e o crente somente pronuncia essa maldição quando se considera superior aos outros. Em outras palavras, quando alguém amaldiçoa ou profere palavras de maldade, ele está, na verdade, se considerando superior à pessoa que ele despreza.
“Amaldiçoar” significa que você se coloca acima; em sua mente, coloca-se sobre um pedestal mais elevado do que o de seu próximo; você o menospreza.
Quando o crente tem esse tipo de atitude, todas as pessoas abaixo dele se tornam seu alvo. Alguns dizem: “Até que isso não é tão mau assim; pelo menos ele não fala coisas perversas sobre Deus. Tipo, estamos falando mal das pessoas, mas pelo menos cantamos hinos aos domingos na igreja; ainda bendizemos a Deus.”
E Tiago responde: “Eu sabia que você ia dizer isso!” E ele tranca qualquer porta de saída ao adicionar a frase:
também, com ela [com a mesma língua], amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição...
Bendizemos a Deus e, ao mesmo tempo, amaldiçoamos as pessoas com a mesma boca. Tiago escreve: “Deixe-me lembrar que essas pessoas a quem vocês amaldiçoam foram criadas à imagem do Criador.” Apesar de a humanidade ter caído, o pecado não destruiu a imagem de Deus, mas apenas corrompeu essa imagem.
O tempo perfeito do verbo feitos significa que a imagem de Deus, vista nas qualidades singulares da humanidade em sua consciência, raciocínio moral e vontade objetiva, não foi totalmente removida da natureza humana com a queda de Adão. A consciência obriga o homem ao correto e o condena pelo errado.
A humanidade não é uma espécie de animal um pouco mais evoluído, livre para agir como um animal. Não. Nós somos a epítome da obra criativa de Deus, obras de arte singulares feitas segundo a imagem de Deus com moralidade e espiritualidade, dentre muitos outros atributos como a consciência.
Um animal não batalha contra a culpa da consciência e a minha cadela é uma prova disso. Eu tenho uma vira-lata. Ela late e late pela cerca do quintal para qualquer criança que passa correndo, bem como qualquer adulto que passa caminhando e pensava que teria uma caminhada tranquila. Ela não só late, mas uiva alto e quer que esses andarilhos entendam que eles estão no bairro dela. Minha cadela não mostra nenhuma evidência de conversão genuína.
Veja só: depois de ter latido descontroladamente para o menino da outra casa, minha cadela não irá se deitar depois e pensar consigo mesma: “Poxa, acho que não deveria ter latido daquela forma. Devo ter ferido os sentimentos daquele menino tão inocente brincando no quintal.” Não, não esperamos que um cachorro aja dessa forma. Pelo menos não deveríamos.
Tiago está dizendo que nós, de todas as criaturas, devemos não somente ponderar naquilo que diremos, mas para quem vamos dizer.
Mas o que isso tem a ver com ofender a Deus? Será que Tiago está exagerando demais ao equiparar insulto à humanidade com insulto a Deus? Pense da seguinte forma. Imagine que você tenha sido convidado para jantar na casa de alguém. Enquanto está lá dentro, passa ao lado de um quadro pendurado na parede. Daí, você cochicha no ouvido de sua esposa: “Espero que ele não tenha pago muito caro por esse quadro. É horrível!” Pouco tempo depois, descobre que o artista é o anfitrião e ele ouviu seu comentário. Será que você lhe diria: “Veja bem, não leve isso tão a sério. Eu não estava criticando você; minha crítica foi à pintura.”? É impossível separar os dois, não é mesmo?
Tiago está dizendo com efeito: “Qualquer pessoa que insulta outro ser humano com palavras injustas, maldosas, desprezadoras, humilhantes, fofoqueiras e críticas acabou de insultar o Artista que criou o ser humano.” Aqui está o ensino que Tiago deseja passar: Deus está tão interessado no que dizemos às pessoas lá fora, como naquilo que dizemos a ele dentro da igreja. Você não pode bendizer a Deus e menosprezar alguém sem que Deus, o Criador, leve isso pessoalmente. Tiago diz: “É exatamente isso o que fazemos com nossa fala; essa é a nossa batalha!”
- Agora, após sua confissão honesta, Tiago apresenta um confronto severo.
Note o verso 10, onde Tiago vai direto ao ponto: Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim.
Não é conveniente. Esse é um negativo intensificado usado somente aqui no Novo Testamento inteiro.
Num ponto anterior da carta, Tiago já disse: “Se você é crente, as coisas serão deste jeito.” Agora ele diz: “Se você é crente, as coisas não devem ser desse jeito.”
Ele não diz que um crente jamais falará com uma língua bifurcada. O que ele diz é que o crente não deve e que não há desculpas para isso. Não é conveniente que estas coisas sejam assim. Não há saída; você luta contra isso, mas não arranja desculpas para isso.
Essas são, de fato, palavras duras e condenatórias. Não vejo a hora de terminar o livro de Tiago! Podemos fazer um intervalo, lidar com algo mais fácil como eleição e livre-arbítrio. E digo que essas doutrinas são mais fáceis de estudar do que esse texto é de aplicar.
De acordo com os imperativos de Tiago, quando redimiu nosso espírito, Deus nos deu a capacidade de reformar nosso discurso ao nos submeter ao controle do Espírito de Deus. Apenas lembre-se de que essa reforma irá demorar muito mais do que a reforma da sua cozinha ou varanda. Ela durará a vida inteira e cada segundo investido valerá a pena.
Agora, se você é como a maioria das pessoas envolvidas em reforma, então, fotos ou imagens ajudam muito a entender o que você deseja realizar. E Tiago faz exatamente isto: ele nos fornece três imagens de fora que descrevem o produto de nossa fala santificada. Ele nos mostra a imagem de uma fonte, uma figueira e água pura, e todos os três são auto-explanatórios.
O verso 11 diz: Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?
Tiago está falando sobre uma fonte que jorra da fenda da rocha numa montanha. O estrato da terra debaixo daquela montanha pode conter tanto água doce como também água amarga. Mas aquela fissura irá jorrar ou água doce ou água amarga, mas não as duas.
Então, que tipo de fonte é você? O que jorra da sua montanha? Um autor disse:
Dentro da montanha do “eu” ocorre uma grande batalha, pois existem duas correntes internas, mas apenas uma fissura. Se o plano de Deus fosse diferente, ele nos teria criado com duas bocas—uma para bendizer a Deus e outra para amaldiçoar o próximo.
Então, de forma mais prática, devemos perguntar: que tipo de fonte você será hoje—uma fonte de água doce, ou uma fonte de água amarga?
Veja, agora, o verso 12: Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Em outras palavras, aqui está a maneira como checar a temperatura espiritual do seu coração: analise os frutos de seus lábios.
E já vimos que isso é verdade, não é mesmo?
- Quando o nosso coração está correto, as palavras também são corretas;
- Quando o nosso coração é puro, nossas palavras são puras;
- Quando o nosso coração está submisso, nossas palavras são doces.
Novamente no verso 12, a última frase, vemos a terceira imagem: Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce. Simplesmente, uma fonte de água salgada não pode produzir água doce. O ensino de Tiago é que um tipo de água não pode se transformar em outro tipo de água por si mesma. Da mesma maneira, nossa língua, que tem sido um conduíte natural de maldade desde a queda, não pode produzir coisas boas por si mesma. Somente o crente controlado pelo Espírito de Deus pode produzir o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gálatas 5.22–23).
Como esse fruto brota? A maioria deles aparece em nosso discurso. O próprio Tiago já nos mostrou como a língua tem o poder de direcionar, destruir e agradar.
Não existe nada como um copo com água gelada e pura quando estamos sedentos, ou fruta quando estamos famintos. Salomão escreveu em Provérbios 12, verso 18: a língua dos sábios é medicina. Paulo escreveu aos colossenses, dizendo: A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal.
O lar, o casamento, a igreja e os relacionamentos do crente devem ser marcados por essas qualidades. Se não, então precisamos ouvir Tiago dizendo: “Não é conveniente que seja assim.”
Um amigo de nossa igreja, que é pastor e presidente de um seminário, pregou nessa passagem. Em sua preparação, ele perguntou a várias pessoas “o que não devemos dizer ao cônjuge.” Ele também listou coisas que dizemos a outros como filhos e pais. Algumas das respostas se aplicam especificamente a cônjuges. Ouça bem:
- Você é igualzinha a sua mãe!
- Você é igualzinho ao seu pai!
- Não falei para você!
- Eu faço o que eu quiser!
- Você sempre está de mau humor.
- Nada do que eu faço agrada você.
- Você é uma criança.
- Você merece o que está recebendo.
- O que você estava pensando?
- Qual o seu problema?
- Você não tem jeito.
- Você nunca vai chegar a lugar algum assim.
- Não sei como consigo suportar você.
- Você sempre tem que estar certo?
- Você só pensa em si mesmo!
- Isso foi muita burrice sua.
- Não está vendo que estou ocupado?
- Será que você consegue fazer pelo menos uma coisa certa?
- Você só não perde sua cabeça porque ela está presa ao seu pescoço.
- Você nunca me ouve, não é?
- A culpa é sua!
- Vai embora!
- Você nunca vai mudar.
Essas frases são simplesmente exemplos de como amaldiçoamos outras pessoas. E que tipo de discurso é agradável, gracioso e restaurador? Alguns exemplos:
- Eu te amo!
- Obrigado.
- Você me perdoa?
- Eu perdoo sim.
- Estou feliz que Deus me deu você.
- Muito obrigado por sua ajuda.
- Deixe-me fazer isso por você.
- Não posso esperar para ver as bênçãos que Deus derramará sobre sua vida.
- Estarei sempre aqui para ajudá-lo.
- Tenho orgulho de você!
Isso sim é água doce, fria e refrescante! Como maçãs de outro numa bandeja de prata.
Esse mesmo pastor contou-me a história de um pai que levou sua filha para passear; só os dois foram. Ela tinha uns 5 anos de idade. Eles escolheram um restaurante e foram. Depois que a comida chegou e oraram, o pai decidiu fazer um pequeno discurso que ele tinha preparado para a filha. Ele começou: “Filha, quero que você saiba o quanto amo você e como você é especial para mim e para sua mãe. Nós oramos por você durante vários anos e, agora que está aqui crescendo para ser uma linda moça, bom, temos muito orgulho de você.” Depois que ele disse tudo isso, o pai parou de falar, pegou seu garfo e começou a comer. Mas ele nem conseguiu levar o garfo à boca; a filha segurou sua mão e com sua voz meiga disse: “Pode continuar falando, papai, fale mais.” Ele colocou seu garfo à mesa e proferiu palavras temperadas com graça.
Todos nós nos identificamos com essa menininha. Pelo menos somos parecidos de uma forma: todos gostamos de palavras de encorajamento. Gostaríamos de ouvir mais, não é? Mas esse não é o desafio do texto de hoje. O foco de Tiago está em quem fala. Ele diz que devemos escolher ser uma fonte da qual jorra água doce; devemos escolher ser uma árvore na qual frutos maduros crescem e são colhidos; somos aqueles que devem falar. É o nosso discurso que importa. Tiago não nos diz nesse parágrafo como devemos ouvir; ele nos diz como devemos falar.
Essa é a terapia da fala para santos. Tiago diz: “Nunca se esqueça para quem você está falando, especialmente no contexto da fé. Você está falando para filhos e filhas de Deus, o Criador.”
C. S. Lewis escreveu palavras poderosas. Acompanhe comigo:
Lembre-se de que o crente mais comum e o menos interessante com quem você conversa será um dia uma criatura que, se você visse agora, seria tentado a adorá-la [falando sobre os corpos glorificados]. É com essa perspectiva que devemos nos relacionar uns com os outros agora—todas as amizades, todos os amores, todas as brincadeiras e toda política. É com imortais que brincamos, trabalhamos, casamos, desprezamos e são imortais que extorquimos. Não existe pessoa ordinária. Você nunca conversou com um simples, mero mortal.
O melhor lugar para começar é nessa confissão honesta feita por Tiago. Se essa era a batalha de Tiago, será que nós não podemos confessar ser ela nossa batalha também? Confesse que você tem dentro de sua boca uma dupla personalidade. Essa é uma confissão honesta. E aceite também o confronto severo—não é conveniente que essas coisas sejam assim. Não há saída; não há cláusulas de escape.
Em seguida, busque, em toda submissão a Cristo, essa reforma diária. Nós precisamos dela e Deus é digno dela. Nós precisamos dela e Deus é muito mais que digno de toda submissão para a glória e honra dele.
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no ano de 2011
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