
Desgarrados
Desgarrados
Série Perseverança! – Parte 6
Tiago 5.19–20
Introdução
Um dos maiores problemas da igreja no século 21 são as ovelhas desgarradas, vagando sem direção. Essas são ovelhas espiritualmente desgarradas que espiritualmente vagueiam pelo mundo. Tiago terminará sua carta com essa advertência, mais uma vez com uma linguagem honesta, realista e ofensiva.
Ele escreve para crentes dispersos no Império Romano e diz o seguinte final de sua carta, no capítulo 5, versos 19 e 20:
Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados.
Agora, eu já li vários comentários e ouvi várias pregações no decorrer dos anos usando esse texto e o aplicando a evangelismo. Com certeza, existe alguma medida de verdade nessa aplicação. O fato de lermos palavras como “pecador,” “salvará” e “morte” imediatamente cria em nossa cabeça a ideia de que Tiago está falando sobre descrentes e não sobre crentes. Contudo, é exatamente com crentes que ele fala nessa passagem.
Esse texto não fala de evangelismo. Ele fala sobre reconciliação, restauração espiritual. Seu ensino é a respeito de um filho pródigo voltando para casa.
O apóstolo chega ao final de sua carta e presume, realística e corretamente, que alguns crentes entre seus ouvintes irão se desviar da verdade que ele acabou de ensinar em sua carta. Haverá momentos e talvez estações inteiras quando alguém entre eles não resistirá ao diabo, não se submeterá a Deus, não purificará suas mãos ou corações, não se renderá ao Senhor ao estruturar sua vida e fazer seus planos sozinho.
Agora, Tiago finaliza sua carta com um alerta e uma solução. Ele descreverá o fugitivo e depois descreverá a operação de resgate. Existem dois personagens primários nessa cena: o pródigo e o resgatador. Por fim, existe o prêmio.
- O Pródigo.
Vamos dar uma olhada mais detalhada no pródigo. O verso 19 diz: Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade.
Ele está falando sobre um crente do meio dos irmãos que se desvia da verdade. Veja bem, um descrente não se desvia da verdade. É impossível para ele se desviar da verdade, já que nunca veio à verdade, nunca construiu sua vida sobre a verdade:
- ele está cego em incredulidade à verdade (2 Coríntios 4.4);
- ele é ofendido pela verdade (1 Pedro 2.8);
- ele suprime a verdade (Romanos 1.18);
- ele nunca veio à verdade porque prefere crer numa mentira sobre Deus ao invés de crer na verdade sobre Deus (Romanos 1.25);
- então, ele se recusa a receber a verdade e ele cria sua própria (2 Tessalonicenses 2.10).
Pode até soar estranho ouvir isso, mas a verdade é que o crente é a única pessoa que pode se desviar da verdade. O filho pródigo é um membro da família da qual ele se desvia.
De fato, Tiago usa o tempo aoristo para o verbo se desviar para mostrar claramente que essa não é uma prática contínua de abandonar a verdade. Tiago se refere a um desvio ocasional. Essa é uma referência a um crente cambaleante, o crente de Gálatas 6 que se embaraçou em pecado e se encontra num perigo e declínio espiritual.
Adicionando à essa ideia, a palavra que Tiago usa e que é traduzida como se desviar é o termo grego planaō, do qual derivamos nossa palavra “planeta.” Esses corpos celestiais em torno do sol são chamados de “planetas” porque aparentam estar vagueando pelo universo.
Como você já deve ter aprendido, desviar-se do caminho é algo fácil. Você não precisa fazer algo terrível para descobrir que sua casa não está em ordem. Simplesmente, pare de cortar a grama, não pinte nada, não faça nenhum reparo, pare de varrer o chão, não lave a louça, não limpe o quintal, não troque as lâmpadas. Daí, quando menos espera, já se encontra numa bagunça. Foram apenas pequenas coisas.
Tiago alerta todos nós com seu jeito tranquilo e compassivo. Não bagunce com a verdade; ela não é um comércio de troca; não negocie a verdade, nem comprometa a verdade. Ela deve ser vivida e obedecida.
Esse é o significado de Hebreus 2, verso 1, onde o autor afirma como é importante que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos.
Desviar-se da verdade está sempre, em algum ponto, conectado a uma, duas ou três decisões que você toma de apenas deixar-se levar pela correnteza; e você descobre que não avançou nada em sua navegação. E, se não está avançando, você automaticamente está retrocedendo. A vida é ou uma progressão, ou uma regressão.
D. A. Carson coloca o assunto da seguinte forma:
Nós não flutuamos em direção à santidade. Não flutuamos em direção à piedade, oração, obediência às Escrituras, fé e prazer no Senhor. Nós flutuamos em direção ao comprometimento da verdade e o chamamos de tolerância; flutuamos em direção à desobediência e chamamos de liberdade; flutuamos em direção à superstição e chamamos de fé; flutuamos à vida sem oração e iludimos a nós mesmos a pensar que escapamos do legalismo; flutuamos em direção à vida sem Deus e nos convencemos de que fomos libertados.
Robert Robinson admitiu a realidade do desvio em seu hino clássico que escreveu nos anos de 1700:
Devedor à tua graça cada dia e hora sou;
Teu desvelo sempre faça com que eu ame a ti, Senhor.
Eis minha alma vacilante: toma-a, prende-a com amor,
Para que ela, a todo instante, glorifique a ti, Senhor.
Eis minha alma vacilante—essa é a realidade do apelo final de Tiago. O desvio é um perigo sempre presente na vida do discípulo.
Então, Tiago se aproxima do fim de sua carta e anuncia esse alerta com sinceridade. Ele não é o tipo de escritor que diz: “Agora, agora, eu sei que você fará tudo o que acabamos de discutir na minha carta. Sei que precisou de 30 pregações para expor a minha carta completamente, mas captou a mensagem. E eu sei que você não terá problema algum em lhe obedecer totalmente.”
Não, ele diz, na verdade: Se, significando, “esta será sua provável experiência cristã: haverá alguns entre vós que se desviarão de algo dessa verdade; então, aqui está o que eu quero que vocês passem uns aos outros.”
E agora Tiago chama nossa atenção do pródigo ao resgatador.
- O Resgatador.
Note em seguida no verso 19 que alguém aparece que traz o desviado de volta. Veja o verso 20: sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado.
A palavra converte é composta e significa literalmente “virar a pessoa de volta.” Em outras palavras, o desviado está caminhando na direção errada e você o vira de volta à direção correta.
A palavra para converte pode se referir à conversão de um descrente que se volta a Deus para salvação (Atos 14.15 e 1 Tessalonicenses 1.9). Mas ela também pode ser usada como referência a restauração e comunhão, o que se encaixa perfeitamente no contexto aqui, já que Tiago escreve claramente a crentes sobre crentes desviados de seu próprio meio.
Eu pesquisei o uso do verbo converter nas Escrituras e achei algo interessante. Esse mesmo verbo foi usado para falar de Deus voltando-se novamente ao seu povo (Salmo 90.13). O Senhor Jesus usou esse termo quando disse a Pedro que, depois que Pedro o negasse e se arrependesse, ele seria restaurado e usado para fortalecer os crentes (Lucas 22.32). A palavra que Jesus usou para falar de Pedro voltando à sua caminhada de obediência é a mesma que Tiago usa aqui para o pródigo que volta ao caminho.
O resgatador em Tiago 5 chega e intercepta o caminho desviado do crente e o vira, de forma que ele, de novo, volta a caminhar na direção correta.
E essa é uma perspectiva incrível e maravilhosa, não é? Sabemos que, no fundo, é Deus quem resgata e restaura alguém. Deus é quem realmente nos conduz ao arrependimento; é o Espírito de Deus que na realidade convence nosso coração de pecado. Mas Deus usa outros crentes também e, na linguagem e perspectiva de Tiago, o irmão crente é o agente da restauração.
Sem qualquer hesitação ou explicação teológica, Tiago descreve o crente resgatador como aquele que vira o pródigo de volta ao caminho certo. E isso deve nos alertar sobre concepções erradas comuns na busca de crentes em pecado. Vou fornecer algumas dessas concepções erradas para você.
- Primeiro, alguns dizem que está errado se intrometer na vida de um crente em pecado sem ser convidado.
“Sabe, o pródigo não pediu minha opinião.” Com que frequência um crente desviado pedirá que você o informe que ele está indo na direção oposta à verdade? Nunca! O pródigo para de convidar você.
Qualquer um que se coloca no caminho de um crente desviado chegará, geralmente, sem ter sido convidado. Na verdade, parte do desafio é conversar com ele quando o desvio começa.
- Outro motivo por que pessoas hesitam se envolver é que caíram na concepção errada de que não é um ato de amor confrontar um crente sobre seu pecado.
Nunca é bom ser o portador de más notícias. Então, o crente fecha suas cortinas e, quando se vê próximo ao crente desviado, supõe que a melhor coisa a fazer é nunca tocar no assunto do pecado. Paulo disse aos crentes tessalonicenses que devemos advertir o desviado como um irmão (2 Tessalonicenses 3.15).
Tiago fala sobre um crente desobediente, não sobre um crente perdendo sua salvação e que precisa ser salvo novamente como se alguém que nasceu pode “desnascer.” Não. Tiago está falando sobre a possibilidade real de um irmão em Cristo se desviar em desobediência. Ele precisa ser alertado sobre o desperdício da sua vida. E essa é a coisa amorosa a se fazer.
Sinceramente, é falta de amor deixar um amigo crente sair do caminho sem alertá-lo, sem expressar preocupação, sem lhe dizer que você ora pelo seu retorno.
Suponha que um médico descubra que você tem câncer; mas isso o forçará a dar más notícias a você e transtornará sua vida, inclusive causando insônia. Será que seria amoroso da parte dele descobrir que você tem câncer e, após os resultados, fechar seus olhos com amor e dizer a você: “Não é nada, pode ficar tranquilo. Umas semanas de férias resolverão o problema!”? Será que isso seria amoroso? Excelente notícia. Férias!
Eu gosto desse médico. A última vez que fui ao médico, ele me disse que tinha que perder peso. Não foi legal, mas, no fundo, essa era a verdade e eu precisava ouvi-la.
Dizer que está errado se intrometer na vida de um pródigo sem ser convidado e dizer que é falta de amor confrontar o pecado do desviado são concepções erradas. E não somente essas estão erradas, existe ainda uma terceira noção equivocada.
- Alguns dizem que não é da sua conta.
“Veja só, não é da sua conta. Eu acho que, se isso for da conta de alguém, é da conta dos pastores.” Note que Tiago diz algo completamente diferente disso no verso 19: Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter.
Como vemos, na mente do Espírito de Deus através de Tiago, esse problema é da conta dos outros crentes. Esse não é o trabalho dos pastores somente; esse não é somente o trabalho do clero.
E a pessoa que diz: “Bom, eu simplesmente nunca vi alguém fazendo isso,” não está refletindo sobre a integridade da ordem bíblica, mas sobre a integridade da congregação de crentes. Nosso problema é que não somente temos pródigos delinquentes; nós também temos igrejas negligentes.
O que você pensaria se sua casa estivesse em chamas e os bombeiros chegassem com todo seu equipamento, descessem do caminhão, viessem até onde você está em pé e perguntassem: “Esta é a sua casa? Ah, não se preocupe com o fogo; ele se apagará dentro de algumas horas.”
Você diria: “Esperem aí! O trabalho de vocês não é assistir às chamas; vocês devem apagar o fogo; façam seu trabalho!”
E o que você acharia se um policial estivesse assistindo a uma gangue dando uma surra num jovem no centro da cidade? Pensaríamos imediatamente: “Esse policial não está fazendo o trabalho dele!”
Um crente que vê seu irmão ou irmã se desviando da verdade e diz: “Não é da minha conta,” não entende parte de suas obrigações. Na verdade, é da nossa conta e você precisa entender que o custo é alto.
- Note o prêmio envolvido quando o resgatador busca o pródigo.
O verso 20 diz:
sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados.
- Primeiro, o resgatador salva o pródigo da morte.
Podemos chamar isso de um resgate da calamidade espiritual. O resgatador salva a alma do pródigo da morte. Pode ser que Tiago queira dizer exatamente isto: o crente obstinado em pecado pode morrer mais cedo.
- João fala dessa possibilidade em 1 João 5.16-17;
- Paulo revela que havia pessoas na igreja em Corinto morrendo cedo na vida como resultado de pecado não confessado (1 Coríntios 11.30);
- João escreveu ainda que devemos cuidar de nós mesmos para não perdermos nossas recompensas (2 João 8).
Tiago também poderia estar usando a palavra morte como uma metáfora para uma existência com aparência de morte. Ou seja, apesar de o crente ser salvo, ele definha em culpa e futilidade e falta de propósito e amargura; por quê? Por ter se desviado. Mas, daí, outro irmão ou irmã chega e o confronta e, pela graça de Deus, ele ouve o conselho e reconhece seu pecado. Assim, o obstáculo à vitalidade espiritual é removido, o pecado é confessado e o irmão é resgatado de uma vida desperdiçada.
- Existe não somente um resgate de uma calamidade espiritual, mas, segundo, existe uma reconciliação à comunhão espiritual.
Note novamente:
sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados.
Não saia com a ideia de que varremos pecados para debaixo do tapete e agimos como se nada tivesse acontecido. O resgatador não ajuda o pródigo a sair com algum discurso para a imprensa, algo mais conveniente para dizer em público.
Existe uma palavra grega para “esconder” e ela não é usada aqui. Não se trata aqui de esconder o pecado; não se trata de dar uma explicação convincente sobre o pecado; isso aqui é a exposição e a confissão do pecado. O pródigo confessa.
Os ouvintes judeus reconheceram imediatamente o conceito de cobrir o pecado. Essa ideia foi usada em todo o Antigo Testamento, um período no qual cobrir pecados significava perdoar pecados. Aqui existe também a ideia de não ser visto mais pelas outras pessoas como alguém que escondeu, mas que o confessou.
Um comentarista disse: “O pródigo não é rotulado na igreja como alguém que uma vez se desviou, mas faz parte de um comunidade onde todos foram perdoados.”
Uma multidão de pecados é coberta. Que grande recompensa para o resgatador que fervorosamente correu atrás como um agente da reconciliação; ele correu atrás do pródigo numa missão de resgate. Um irmão ou irmã crente está se desviando da verdade; ele espera e ora para resgatá-lo de volta da calamidade espiritual. Ele espera e ora para reconciliá-lo à comunhão espiritual com Cristo e sua igreja.
Talvez, hoje, eu esteja falando a você, um pródigo em fuga. Já faz dias, semanas, meses ou até mesmo anos que você anda desviado, e talvez se pergunta se já é tarde demais. Talvez pensa que seu desvio foi para longe demais. Os pecados, agora, já se acumularam e a vista para trás já foi obstruída.
Siga a minha voz. Deus cobre multidão de pecados, o que é outra forma de dizer: Deus pode consertar qualquer pecado que você tenha cometido; Deus limpa todo pecado que você cometeu; Deus o perdoará livremente (Isaías 55.7).
Deus não fica cansado; sua graça não diminui; sua longanimidade é a paciência do pai do pródigo que aguarda; seu perdão não é merecido, mas está disponível e é livre.
Vire-se, vire-se e volte para casa! Ouça este verso que foi escrito não para descrentes, mas para crentes:
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 João 1.9).
Essa é a terminologia prática de um crente que confessa seus pecados. Confesse seus pecados—plural. Pecados específicos que vêm à sua mente. Confesse ao Senhor os pecados que têm bloqueado sua comunhão, dissipado sua alegria e sufocado sua alma, e seus pecados serão cobertos em termos bem práticos e não serão jamais vistos. Que resgate! Que reconciliação maravilhosa! Nós, os crentes, somos desafiados a nos juntar a essa operação de busca e resgate. Essa operação é da nossa conta sim!
Um autor escreveu sobre um acontecido incrível durante a Segunda Guerra Mundial. Era a primavera de 1940; os tanques Panzers de Hitler estavam controlando a França. A Holanda já havia se rendido, como também a Bélgica. Mais de 250 mil soldados britânicos e 100 mil tropas aliadas estavam encurraladas na costa da França no porto de Dundrik. Eles encarariam captura e morte iminente.
As tropas de Hitler, apenas a alguns quilômetros deles nas montanhas da França, aproximaram-se para um ataque fácil. A frota da Marinha Real Inglesa era suficiente para resgatar apenas 17 mil soldados e levá-los em segurança dali. O Parlamento Inglês foi convocado e informado que se preparasse para notícias devastadoras.
Daí, enquanto as tropas sem esperança apenas observavam seus inimigos se aproximando, de repente uma frota esquisita de barcos apareceu no horizonte do canal inglês. Barcos de pesca, barcos rebocadores, botes salva-vidas, iates, uma balsa de uma ilha e até um navio de competição americano, todos pilotados por civis, começaram a chegar para resgatar as tropas. Essa frota desorganizada conseguiu resgatar as tropas restantes: mais de 300 mil soldados foram levados para as praias da Inglaterra. E esse permanece sendo uma das operações de resgate navais espontâneas mais notáveis da história. Por quê? Porque havia companheiros soldados numa encruzilhada, precisando de ajuda.
Nós, a igreja, somos essa frota meio desorganizada de Deus; são barcos de todos os tipos, tamanhos, formatos, personalidades, histórias, raças e contextos. Todos nós, com falhas e tirando água de nosso barco, navegamos nessa operação de resgate.
Nós somos resgatadores de pródigos! Tiago sabia que, depois de escrever uma carta como esta, precisaríamos de pessoas que obedeceriam a essa ordem de se unir a essa operação de resgate comissionada pelo próprio Deus.
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 19/06/2011
© Copyright 2011 Stephen Davey
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